Em 2006, o Grupo EBX anunciou a construção do Superporto do Açu, em
São João da Barra,
no Norte do Rio de Janeiro, com investimento previsto de R$ 3,8
bilhões. Nos anos seguintes, o município melhorou os índices de
desenvolvimento humano, aumentou a arrecadação e viu novas vagas de
emprego serem abertas.
Com
a queda das ações e os apuros do grupo de Eike Batista,
no entanto, as obras desaceleraram, e os reflexos da crise começaram a
aparecer. No primeiro semestre de 2013, segundo a Secretaria Municipal
de Fazenda, São João da Barra perdeu R$ 36 milhões em arrecadação e viu
1.332 postos formais de emprego – um sexto das vagas do município –
desaparecerem.
Em 2011, com o trabalho no porto ainda intenso, o município chegou a
ocupar a 18ª posição no ranking de emprego e renda da Federação das
Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). Hoje, ocupa o 34º lugar. O
recolhimento de Imposto Sobre Serviços (ISS), que em 2006 era de R$ 1,18
milhão e que em 2011 subiu para R$ 12,7 milhões, dá sinal de que vai
recuar em 2013.
O secretário municipal de Fazenda, Ranulfo Vidigal, segue otimista.
"Temos uma projeção de que a gente tenha não menos que 30 mil empregos
no horizonte de 10 anos. Nós perdemos mil em um universo de 10 mil que
foram criados", disse. "Na minha previsão, esta perda é temporária".
Os habitantes de São João da Barra, no entanto, estão preocupados. O
G1 passou três dias no município e constatou alguns dos impactos causado pelo declínio das obras do porto na vida dos moradores (
assista ao vídeo acima).
Andando pelas imediações do canteiro de obras, é possível ver
restaurantes e pousadas vazios ou fechados. Comerciantes contabilizam
prejuízos, moradores contestam a desapropriação de terrenos e
agricultores sofrem os efeitos dos impactos ambientais da construção.
Lançado por Eike Batista, o superporto do Açu, no entanto, não está
mais sob controle do empresário. Em setembro, a LLX, responsável pelo
porto, assinou acordo com o grupo EIG para um investimento de até R$ 1,3
bilhão na companhia que, ao final,
torna o grupo controlador da empresa.
Prejuízos
Entusiasmado com a promessa do crescimento da cidade, Manoel Paulo
Ribeiro vendeu um sítio para investir em um restaurante, há seis anos,
quando o empreendimento foi anunciado. Ele chegou a ter 11 funcionários,
mas, atualmente, mantém apenas quatro. Fornecedor de quentinhas na
região, Manoel contou ao
G1 que levou um calote de R$ 50 mil da empresa ETE, prestadora de serviços do Grupo EBX.
"Tivemos que pegar empréstimo e estou equilibrando, me arrastando com
quatro funcionários para não ter que despedir. Eu já tinha iniciado uma
obra de ampliação do restaurante e também não quis parar com a esperança
de que no futuro seja mais lucrativo e sem prejuízo. Todo mundo
investiu tudo com a chegada deste empreendimento", disse Manoel.
Edmilson Oliveira, responsável pelo departamento jurídico da ETE,
confirmou que a empresa está em débito com Manoel Paulo. "Nós
confirmamos, mas não reconhecemos este valor. É algo em torno de R$ 38
mil. Estamos em negociação, devemos bater este valor com ele [Manoel] e
esse pagamento será feito no prazo máximo de um mês", disse. A LLX e a
OSX, do grupo de Eike, afirmaram que não têm nenhum contrato em débito
com a empresa ETE.
Fabrício Salles foi afetado de duas formas. Ele é dono de uma loja de
acessórios automotivos em São João da Barra e possui um caminhão que foi
agregado por uma empresa na construção do porto. Salles disse que ficou
de junho a outubro sem receber pelo aluguel do veículo. Ele só foi
receber pelos três primeiros meses de serviço, quantia em torno de R$ 35
mil, no dia 24 de outubro.
"Eu banquei tudo, paguei o motorista do caminhão, cheguei até o meu
limite bancando manutenção e funcionário. A empresa pagava tudo no prazo
correto. Depois que teve esse problema com o Eike Batista, houve esse
atraso. Agora eles estão acertando. Eu entendi a situação da empresa e
continuei prestando serviço", contou.
Salles contou que também sentiu os impactos na região através da queda
do número de clientes. "Com essa queda nas obras do porto, todos os
comerciantes sentiram algum tipo de impacto. Muita gente foi embora e
com isso diminuiu a circulação de dinheiro na cidade", lamentou.
Na imissão de posse das terras da família Toledo,
réu consta como ignorado (Foto: Divulgação/LXX)
Família Toledo mostra documento para comprovar
terras (Foto: Arquivo Pessoal/ Marcos Pedlowski)
Impasse nas desapropriações
A desapropriação de terras na região do Superpoto do Açu é motivo de
disputas judiciais. Proprietários afirmam que o valor pago pelas terras é
injusto e que o processo de desapropriação foi feito de maneira
irregular.
Os terrenos para construção do Distrito Industrial de São João da Barra
são requeridos à Justiça pela Companhia de Desenvolvimento Industrial
do Rio de Janeiro (Codin). Segundo o órgão, depois que a Justiça aceita o
pedido, as ações de desapropriação são feitas "após o depósito do valor
apurado". Em seguida, a imissão (ato judicial que muda a posse da
terra) é realizada, concedendo à Codin a posse das áreas, que por sua
vez repassa aos empreendedores. Segundo a Codin, os interessados se
habilitam no processo para levantar ou discordar do valor depositado,
cabendo ao judiciário a decisão.
Ao redor da construção do porto, é comum ver propriedades com casas
demolidas, onde placas sinalizaram que a área agora pertence à Codin ou à
LLX. De acordo com a Associação dos Proprietários de Imóveis (Asprim),
1.500 famílias foram desapropriadas. Segundo a Codin, 466
desapropriações foram aceitas pela Justiça e 290 cumpridas com a imissão
de posse. Em alguns casos, a retirada das famílias teve apoio da
Polícia Militar (
veja no vídeo ao lado).
Adeilço Viana Toledo é filho de José Irineu Toledo, herdeiro do Sítio Camará, no 5º Distrito do município. Ele contou ao
G1 que no dia em que seu pai morreu, em 1º de agosto de 2013, a Codin desapropriou as terras da família.
"Há 45 anos nós vivemos nesta propriedade. Eles (Codin) invadiram a
área nossa aqui, tirando todo o gado que tinha aqui, dizendo que a área
agora é deles. Só que até hoje não recebemos nada. E o gado ficou preso
na Fazenda Papagaio [propriedade que foi arrendada pela GSA - controlada
pela LLX] 75 dias sem comer nada. O juiz agora pediu para a gente tirar
o gado. Estramos com um pedido na Justiça para termos a terra de volta.
Há dois anos eles fizeram uma vistoria e uma valoração do terreno. Só
que é um preço muito baixo e a gente não concorda. Aqui tinha lavoura de
quiabo, abacaxi e maxixe. Eram 200 mil frutas colhidas por ano. Tenho 7
filhos que viviam do sustento daqui", disse Adeilço.
De acordo com a LLX, a área foi desapropriada pelo estado, através da
Codin, para a implantação do distrito industrial. Segundo a empresa, o
valor da indenização foi depositado em juízo e está à disposição dos
réus desde 17 de maio, no valor de R$ 742 mil. A empresa desconhece se
os réus já se manifestaram no processo para requerer o levantamento ou
impugnar o valor ofertado. O documento de imissão de posse fornecido
pela LLX ao
G1 aponta o réu como ignorado.
O
G1 ouviu o desembargador Sylvio Capanema sobre a
questão. Ele disse que o fato de o réu ser ignorado pode apontar para
uma manobra do autor da imissão. "Sendo ignorado o autor evita que tenha
uma constatação de que esse valor depositado em juízo seja ínfimo",
explicou.
Através de nota, a Codin esclareceu que "a questão de constar como réu
ignorado se deve ao fato de que quando foi realizado levantamento no
cartório de Registro de Imóveis, relativo à área em questão, não havia
qualquer certidão que indicasse quem seriam os reais proprietáros da
área". Segundo a Codin, isto justifica o ajuizamento da ação com a
informação de réu ignorado.
A Codin disse ainda que a pessoa deve comprovar a titularidade da terra
para receber os valores depositados. A família Toledo apresentou ao
G1 o documento (veja na foto acima) que comprova que José Irineu Toledo é herdeiro das terras do Sítio Camará.
Impacto ambiental: salinização
Durante o processo de dragagem para usar areia para aterrar a área do
porto, um erro de planejamento teria feito com que propriedades próximas
recebecem água do mar e ficassem salinizadas.
Segundo Carlos Rezende, professor titular de Biogeoquímica do
Laboratório de Ciências Ambientais Universidade Estadual do Norte
Fluminense (Uenf), o aterramento da área do estaleiro da OSX teve um
"escoamento superficial que atingiu algumas áreas fora do
empreendimento."
"Quando você faz uma dragagem, tem aproximadamente de 40% a 60% de água
e o resto é sedimento. [...] Houve falha no sitema de bombeamento que
era responsável por reconduzir a água para a pilha de sedimento. A
empresa fez um cinturão de contenção, que deve ter sido subdimensionado.
Ou então pode ter ocorrido alguma falha humana que acabou gerando esse
sobrefluxo [de água salgada] que escorreu pela pilha [de areia]",
explicou Rezende.
Segundo o professor, a Uenf foi alertada por um agricultor que levou
uma amostra de água até a universidade, alegando que as plantas de sua
propriedade estavam morrendo. "Fomos averiguar o que era e descobrimos
que água estava vindo do empreendimento. Medimos vários solos naquela
região. Agora estamos medindo o índice de salinidade das propriedades e
comparando com áreas próximas para saber a quantidade de terras
afetadas", completou.
Segundo Marcos Pedlowski, também professor da Uenf, ainda "não existe
tecnologia para dessalinizar solos". Ele afirma que as dunas artificais
de areia retirada para aterrar o porto estão espalhando sal na região.
"Ela vai ficar sendo espalhada até que alguma vegetação tenha a
capacidade de se instalar nela. O que faltou foi uma obra de engenharia
de contenção. A área imediata que está no entorno está sendo afetada.
Isso acarreta um efeito dramático para quem vive de agricultura. Os
compradores do porto têm que saber que eles têm uma herança maldita ali
também", completou.
Durval Ribeiro de Alvarenga, de 58 anos, mora em uma propriedade na
localidade de Água Preta, no 5º Distrito de São João da Barra desde
1982, onde cultivava abacaxi, cana-de-açúcar, quiabo e maxixe. Com o
gado que criava em suas terras, Durval produzia queijo e tirava de 90 a
100 litros de leite por dia.
"Hoje eu não tiro mais, acabou, desde que entrou esse sal. Em novembro
apareceu uma água aqui [na propriedade], mãs não houve chuva. Eu fui
reparar que a água era salgada quando vi o gado em volta do tanque sem
querer beber água e adoecendo. Depois, a lavoura de abacaxi foi
murchando, perdi 150 mil pés da fruta, o capim morreu. Eles [empresas do
Grupo X] colocaram a água do rio para ver se tirava a água do sal e
parece que piorou. Não tem melhora nenhuma. Nunca ninguém me procurou
para saber de prejuízo, que eu calculo que seja mais de R$ 1 milhão. A
renda de leite era certinha, todo dia, de domingo a domingo. E eu parei
com tudo. O gado quer beber água e não tem como. Hoje a propriedade está
sem valor. Acabou a renda. E eu quero receber, não posso ficar no
prejuízo", reclamou.
O agricultor entrou na Justiça para processar o Grupo EBX, demandando o
pagamento de R$ R$ 1 milhão para cobrir o prejuízo estimado.
Em fevereiro de 2013 o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) multou em
R$ 1,3 milhão a OSX após identificar a salinização da água no Canal do
Quintigute no Porto do Açu.
Além da multa, a OSX terá de fazer a dragagem em três pontos do canal,
cujo custo deve chegar a R$ 1 milhão. O órgão também determinou que a
companhia deverá ressarcir os agricultores afetados pelo problema. O
G1 entrou com contato com o Inea para saber se a multa já foi paga, mas não obteve resposta do instituto até esta publicação.
Em nota, a LLX alegou que a alteração do índice de salinidade do Canal
do Quitingute foi pontual, prevista nos estudos de impacto ambiental, e
agravada pela restrição de vazão do canal decorrente de recentes obras
civis realizadas por terceiros, além de outros pontos de assoreamento,
seca e estiagem na região.
A empresa disse ainda que realiza monitoramento constante dos índices
de condutividade e salinidade do Canal do Quitingute, cujos resultados
são encaminhados regularmente ao INEA (Instituto Estadual do Ambiente do
Rio de Janeiro). Segundo a LLX, este monitoramento comprova que já
foram alcançados os índices estabelecidos como padrão para água doce em
corpos hídricos, e que estão abaixo de 0,5 ‰ de salinidade, conforme
estabelece o Artigo 2° da Resolução CONAMA n° 357/2005. Até o momento
não foi identificado nenhum agricultor prejudicado em São João da Barra
pela LLX.
Investigação
O Ministério Público Federal determinou a apuração de eventual uso de
verbas públicas na implantação de pátios logísticos no Porto do Açu. Com
o cancelamento da encomenda de plataformas e a crise do Grupo EBX, o
MPF quer cobrar maior transparência na prestação de contas das empresas
que podem ter recebido recursos públicos federais para o projeto.
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