Uma empresa americana que fabrica medicamento a partir de substância
encontrada na maconha quer aproveitar as recentes mudanças na lei do
Uruguai para cultivar uma variedade da planta no país e usá-la na
produção do remédio.
O medicamento é um óleo feito a partir da variedade da cannabis
conhecida como 'Teia de Charlotte' e usado no tratamento de epilepsia
infantil. Ele vem sendo aplicado em cerca de 180 crianças na cidade de
Colorado Springs, no estado americano do Colorado, que há alguns meses
também liberou o consumo recreativo da maconha, como fez o Uruguai.
O tratamento diminui significativamente o número de convulsões,
especialmente em pacientes portadores de epilepsia refratária, cujo
tratamento com medicamentos tradicionais nem sempre oferece melhoras na
qualidade de vida do paciente.
Maconha ajuda no tratamento de doenças, mas pode provocar surto psicótico e perda de memória
Testes clínicos com o óleo começarão a ser realizados no Uruguai neste ano.
Com participação de cinco departamentos da Faculdade de Medicina da
Universidad de la República - a principal universidade do Uruguai — e
neurologistas que são referência no tema no país e no exterior, o estudo
administrará o óleo a um grupo de 40 a 60 pacientes.
Uso de maconha aumenta risco de problemas de ereção
Oportunidade
O óleo tem alta CBD (concentração de canabidiol), substância química de
propriedades medicinais, e baixo THC (tetra-hidrocanabinol, substância
de efeito psicoativo).
Paulo Siqueira, diretor internacional da Stanley Brothers, companhia
americana que produz o óleo, disse que não há interesse "em produzir
maconha para uso recreativo".
— O Uruguai abre uma grande oportunidade de produção de conhecimento
científico. O problema nos Estados Unidos é que as universidades e
instituições científicas são financiadas em grande parte pelo governo
federal, e ninguém quer tocar no assunto agora. Então, vamos trabalhar
com médicos uruguaios, que vão conduzir os testes.
De acordo com Siqueira, nesta semana, uma universidade brasileira
também teria demonstrado interesse em testes clínicos com o produto.
Em abril, por conta de uma liminar expedida pela Justiça Federal, a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi obrigada a liberar
um medicamento à base de CBD para a família de uma criança com
epilepsia, que já está sendo tratada com a substância.
No Uruguai, cerca de 9 mil pessoas possuem epilepsia refratária.
Estima-se que, no Brasil, 1% da população tenha o mesmo tipo de
problema.
Cânhamo industrial
Por causa do baixo índice da substância THC (de 0,4%), essa variedade
medicinal da cannabis de onde é extraído o óleo se enquadra na
legislação uruguaia como cânhamo industrial - e não como maconha
recreativa.
Por isso, a companhia espera a regulamentação do governo sobre esse
tipo de cannabis, algo previsto para acontecer no início do segundo
semestre, para poder se candidatar também a ser produtora da planta no
país.
No entanto, os testes clínicos não dependem dessa liberação e, portanto, já estão sendo organizados.
No ano passado, o mercado da maconha medicinal movimentou nos Estados
Unidos cerca de US$ 1,5 bilhão. Segundo as projeções para este ano, o
valor deve crescer para US$ 2,4 bilhões, de acordo com a Stanley
Brothers.
— É a indústria que mais cresce nos Estados Unidos. Para 2018, as
estimativas são de quase US$ 10 bilhões apenas nos EUA. No Colorado,
neste ano, calcula-se que as vendas cheguem a US$ 1 bilhão, sendo 65% da
indústria recreativa e 35% da medicinal.
Propriedades
Estudos indicam que a substância CBD possui propriedades
neuroprotetoras e restauradoras, anti-inflamatórias, analgésicas,
antipsicóticas, antibióticas e de combate ao câncer. É uma das mais de
50 que podem ser encontradas na cannabis sativa e não gera efeito
psicotrópico.
As propriedades anticonvulsivas, apesar de conhecidas pela Stanley
Brothers, foram constatadas de forma mais contundente pelos produtores
do Colorado no final de 2012, a partir do tratamento de uma garota,
Charlotte Figi.
A menina chegava a ter 60 convulsões diárias e havia cinco anos usava
remédios convencionais em seu tratamento, sem sucesso. A família teve de
se mudar para Colorado Springs, onde a cannabis medicinal é legal, para
ter acesso à planta.
A variedade da planta recebeu esse nome em homenagem à menina, naquele
momento a mais jovem paciente no Colorado a recorrer ao tratamento,
iniciado há um ano e meio.
Hoje com sete anos, ela apresenta uma média de duas convulsões por mês e
vem recuperando habilidades perdidas como caminhar, falar e comer.
r7