João Augusto estava em silêncio. Permanecia inclinado à frente,
apoiava-se na mesa com os antebraços. Batia, sem parar, a colherzinha de
café na borda do pires – e mantinha o olhar fixo no interlocutor.
Parecia alheio à balbúrdia das outras mesas no Café Severino, nos fundos
da Livraria Argumento do Leblon, no Rio de Janeiro, naquela noite de
sexta-feira, dia 2 de agosto. A xícara dele já estava vazia. O segundo
copo de água mineral, também. João Augusto falava havia pouco mais de
uma hora. Até então, pouco dissera de relevante sobre o assunto que o
obrigara a estar ali: as denúncias de corrupção contra diretores ligados
ao PMDB, dentro da Petrobras. Diante dos documentos e das informações
obtidos por ÉPOCA sobre sua participação no esquema, João Augusto
respondia evasivamente. Por alguma razão incerta, algo mudara nos
últimos minutos. O semblante contraído sumira. Esperei que o silêncio
dele terminasse.
– O que você quer saber?, disse ele.
– Sobre os negócios, respondi.
Foi então que João Augusto Rezende Henriques disse, sem abaixar a voz ou olhar para os lados: “Do que eu ganhasse
(no contratos intermediados com a Petrobras), eu tinha de dar para o partido
(PMDB). Era o combinado, um percentual que depende do negócio”. A colherzinha não tilintava mais.
Iniciava-se, ali, um desabafo motivado pelas denúncias que ÉPOCA
investigava havia cerca de um mês. O caso envolvia a Petrobras – maior
empresa do país, 25ª do mundo, com faturamento anual de R$ 281 bilhões.
Começara com apenas uma pista: um contrato assinado em 2009, em Buenos
Aires, entre o advogado e ex-deputado Sérgio Tourinho e o argentino
Jorge Rottemberg. No documento, previa-se que Tourinho receberia US$ 10
milhões de uma empresa no Uruguai, um conhecido paraíso fiscal, caso a
Petrobras vendesse a refinaria de San Lorenzo, avaliada em US$ 110
milhões, ao empresário Cristóbal Lopez, conhecido como czar do jogo na
Argentina e amigo da presidente Cristina Kirchner. À primeira vista, o
contrato não fazia sentido. Por que um lobista de Buenos Aires se
comprometeria a pagar US$ 10 milhões a um advogado brasileiro, de
Brasília, caso esse advogado, sem experiência na área de energia,
conseguisse fechar a venda de uma refinaria da Petrobras na Argentina?
ÉPOCA foi buscar a resposta em entrevistas com partícipes do negócio,
parlamentares e funcionários ligados ao PMDB. O advogado Tourinho era
sócio dos lobistas do PMDB, que trabalhavam em parceria com Jorge
Zelada, diretor internacional da Petrobras desde 2008 e, segundo João
Augusto, apadrinhado do PMDB. A operação San Lorenzo, diz ele, não era
um caso isolado. Era mais um dos muitos negócios fechados pelos
operadores do PMDB na área internacional da Petrobras. De acordo com
João Augusto, todos os contratos na área internacional da Petrobras
tinham de passar por ele, João Augusto, que cobrava um pedágio dos
empresários interessados. De acordo com ele, de 60% a 70% do dinheiro
arrecadado dos empresários era repassado ao PMDB, sobretudo à bancada
mineira do partido na Câmara, principal responsável pela indicação de
Zelada à Petrobras. De acordo com João Augusto, o dinheiro servia para
pagar campanhas ou para encher os bolsos dos deputados. O restante, diz
ele, era repartido entre ele próprio e seus operadores na Petrobras – os
responsáveis pelo encaminhamento dos contratos.
Segundo João Augusto e outros quatro lobistas do PMDB, o dinheiro era
distribuído a muita gente em Brasília. A maior parte seguia para os dez
deputados do partido em Minas, entre eles o atual ministro da
Agricultura, Antonio Andrade, e o presidente da Comissão de Finanças da
Câmara, João Magalhães. O dinheiro, de acordo com João Augusto, não
ficava apenas com essa turma. Segundo o relato dele e dos outros
lobistas, o secretário das Finanças do PT, João Vaccari, recebeu o
equivalente a US$ 8 milhões durante a campanha presidencial de Dilma
Rousseff em 2010. João Augusto diz que organizou, com Vaccari, o repasse
para a campanha de Dilma. O dinheiro, segundo ele, foi pago pela
Odebrecht, em razão de um contrato bilionário fechado na área
internacional da Petrobras, que dependia de aprovação do então
presidente da estatal, José Sergio Gabrielli, do PT. À Justiça
Eleitoral, a campanha de Dilma declarou ter recebido R$ 2,4 milhões da
Odebrecht. O coordenador financeiro da campanha de Dilma Rousseff, José
de Filippi Júnior, afirma que não conhece João Augusto. “Posso garantir
que ele não participou da arrecadação de recursos para a campanha da
presidenta Dilma Rousseff, que toda arrecadação foi feita por meio de
Transferência Eletrônica Bancária, e que as contas da campanha da
presidenta foram aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral”, diz.
As denúncias de João Augusto são contestadas pelos acusados. Vaccari
diz que não era responsável pela tesouraria da campanha de Dilma. Afirma
ainda que “todas as doações ao PT são feitas dentro do que determina a
legislação em vigor e de uma política de transparência do PT”. Gabrielli
diz, por meio de nota, não ter conversado sobre o contrato da Odebrecht
com Vaccari. Zelada afirma desconhecer a atuação de João Augusto na
intermediação de contratos na Petrobras e nega ter sido indicado pelo
PMDB. A Petrobras informou em nota que não comentaria o assunto. Apesar
de todas as contestações, a reportagem de ÉPOCA confirmou, por meio de
entrevistas em três cidades, vários pontos do depoimento de João
Augusto. Investigações oficiais ainda são necessárias para apurar todas
as suas denúncias.
UMA DIRETORIA PARA O PMDB
Em janeiro de 2008, o então presidente, Lula, aceitou entregar a
Diretoria Internacional da Petrobras ao PMDB. Mais especificamente, ao
grupo que comanda o PMDB da Câmara dos Deputados. Engenheiro de carreira
da Petrobras, João Augusto fora apresentado à política em meados dos
anos 1990, quando era diretor da BR Distribuidora, a empresa de
combustíveis da Petrobras. Para fazer qualquer operação de relevo na BR,
João Augusto precisava do apoio dos demais diretores. No começo, nunca
conseguia. “Não tinha a menor ideia de como as coisas funcionavam”, diz.
“Mas aí conheci o Benjamin Steinbruch (dono da CSN), que me explicou
como era preciso ter apoio político para fazer as coisas. O Steinbruch
ligou para o Tasso Jereissati (do PSDB), que ligou para o Marcelo
Alencar (governador do Rio de Janeiro, também do PSDB). O Alencar avisou
o Joel Rennó (então presidente da Petrobras): ‘Ó, o João Augusto está
com a gente’”, diz João Augusto. E ri das lembranças. “Eu não tinha
ideia do que ‘estar com a gente’ significava… A partir dali, mudou
muito. Da água para o vinho. Tudo passava. Você vai mudando. O mundo
real é outro, e eu tinha de me adequar a ele.” Em pouco tempo, João
Augusto migrou dos tucanos para o PMDB – segundo ele, por obra do então
deputado Michel Temer. Em 1999, João Augusto prosperava na política e
nos negócios. Tinha, segundo ele, apoio do PMDB para virar diretor da
Petrobras. Mas uma grave hepatite C o impedira. Para sobreviver, foram
precisos dois transplantes de fígado e quatro meses num hospital em
Londres.
Na volta ao Brasil, João Augusto deixou a Petrobras. “Fui fazer
negócios”, diz. Usava, segundo ele, o conhecimento e a rede de contatos
acumulados nos anos de Petrobras para ajudar empresários com interesses
na empresa. Sabia que técnicos e diretores procurar, dependendo do
assunto – e, sobretudo, que métodos de persuasão aplicar a cada um. “A
Petrobras tem três tipos de caras: o técnico, o político e o
carreirista”, diz. “O técnico não vai mudar o que ele pensa porque você
diz. O que ele gosta é de visitar obra, viajar em helicóptero, se sentir
importante de vez em quando. Ele acha que merece. O carreirista faz o
que o chefe mandar. Não quer saber o que é. Nem pensa duas vezes. Hoje é
cheio de carreirista. E o político é o que observa as coisas dentro da
empresa, atende aos amigos, ao pessoal da área dele, aos políticos. Se
você errar a abordagem, confundir um com o outro, você quebra a cara. Eu
sei fazer essa abordagem.”
Com todas essas credenciais, João Augusto era o nome favorito do PMDB
para assumir a diretoria na Petrobras que Lula prometera aos deputados
do partido, em janeiro de 2008. Seu nome, porém, foi barrado na Casa
Civil: João Augusto fora condenado pelo Tribunal de Contas da União a
pagar uma multa de R$ 500 mil, em virtude de irregularidades cometidas
quando ele era diretor da BR Distribuidora. O deputado Fernando Diniz,
que comandava a bancada do PMDB de Minas, comunicou-lhe o óbice. E pediu
um nome alternativo. João Augusto indicou um de seus melhores amigos na
empresa, o engenheiro Zelada, que trabalhava com um dos diretores
petistas da estatal. Ao nomear Zelada, João Augusto se tornou, segundo
deputados e lobistas, o diretor “de fato” da área internacional. “A
função do Zelada era obedecer às ordens de João Augusto”, diz um lobista
do PMDB.
Para garantir que as operações do partido correriam como esperado, João
Augusto recrutou técnicos de sua confiança na Petrobras. Distribuiu,
pela área internacional, seus colegas de turma na Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Sócrates José virou chefe de gabinete de Zelada. Era o
cicerone dos parceiros do grupo que visitavam a sede da Petrobras para
fazer reuniões. “Se o projeto fosse bom para a Petrobras, eu levava
adiante. Fazia isso por amizade”, diz Sócrates. Ele também tinha como
missão reportar o que via e ouvia a João Augusto.
José Carlos Amigo assumiu a gerência para a América Latina. Essa
gerência, segundo João Augusto, esteve envolvida na contratação de um
navio-sonda da empresa Vantage, por US$ 1,6 bilhão – uma operação que,
diz ele, rendeu uma comissão de US$ 14,5 milhões, US$ 10 milhões dos
quais repassados ao PMDB. Clóvis Correa virou diretor da Petrobras
Argentina, onde a empresa mantinha a refinaria de San Lorenzo. De acordo
com João Augusto e os demais envolvidos no negócio, Clóvis participava
das reuniões em hotéis e receberia uma parte do “sucesso” de US$ 10
milhões. Fernando Cunha, o único que não estudara com os demais,
tornou-se gerente para negócios na África. João Augusto diz que ele
participou da compra de um campo na Namíbia, operação encaminhada depois
de ele ter fechado comissão com a empresa que detinha o controle desse
campo.
A INCOMPREENSÃO DOS DEPUTADOS
De acordo com os envolvidos, havia uma incompreensão entre os deputados
sobre como funcionava a Petrobras e quanto era possível arrecadar por
mês. Dois lobistas do PMDB afirmam que fora estipulada uma meta de R$
150 mil por mês para a bancada. Num almoço na churrascaria Porcão, num
domingo de sol no começo de 2009, o deputado Fernando Diniz, ao lado de
assessores e de lobistas, reclamou da “performance” de Zelada. “O
‘Gelada’ não está entregando”, disse aos amigos. Essa percepção é
confirmada por João Augusto. “Num primeiro momento, eles (os deputados
do PMDB) achavam que tinha um monte de coisa (na Petrobras). Não tinha.
Os caras não entendiam. Achavam que estávamos (a dupla João Augusto e
Zelada) de má vontade. Não entendiam que a Petrobras tem uma diretoria,
um Conselho, que não dá para fazer o que quiser”, diz.
A cobrança dos deputados exasperava João Augusto. “Se você não tiver os
valores muito enraizados, o cara (político) vem e pega o dinheiro que
está na sua carteira”, diz. “Tem de saber lidar. A pior coisa no pedido
político é você engavetar. Ou você diz: ‘Desse jeito aqui não dá’. Ou
diz: ‘Posso fazer assim’ (de acordo com os interesses da empresa). Não
sou vestal. Gosto de ganhar dinheiro”, diz João Augusto. “Mas não faço
coisa que vai dar prejuízo à Petrobras, como Pasadena (a refinaria nos
Estados Unidos na qual a empresa perdeu dinheiro). De zero a dez, numa
escala de ética, não sou zero, mas também não sou dez. Bandido eu não
sou, não. Sou três ou dois. Tenho de ser reconhecido como um cara
técnico, de negócio, mas que não faço m...”
João Augusto faz uma pequena pausa, pede mais uma água mineral e
continua: “Quando estava na BR, eu não podia parar o trem. Se tentasse,
seria atropelado. Tinha de entrar no trem para levar na direção que eu
quisesse. Eu vendia álcool quando era diretor da BR. Você não tem ideia.
O Brasil inteiro me procurava. Todo político conhece um usineiro que
quer comprar (em melhores condições). O que eu fazia? Fazia uma planilha
menor, de coisas que a BR precisava vender mesmo, e deixava separado.
Sempre que eu tinha de atender a um pedido político, pegava essa
planilha e tentava conciliar o que havia nela, que era interesse da
empresa, com o pedido do político”.
O que parece incomodar João Augusto, e talvez tenha contribuído para
seu desabafo, seja o desequilíbrio entre os interesses dos políticos,
que cobram cada vez mais de operadores como ele, e os interesses da
Petrobras. “A Petrobras sempre teve influência política. Mas a decisão
era técnica. A política se adequava à técnica. Se, por exemplo, os
técnicos decidissem que era preciso ter uma refinaria no Nordeste, os
políticos poderiam brigar para escolher em que Estado. Mas a refinaria
era necessária”, diz. “De uns tempos para cá, isso se inverteu. Os
políticos decidem que haverá uma refinaria no Maranhão ou no Ceará, e os
técnicos têm de correr atrás.” Ele credita essa inflexão, como os
demais ouvidos nesta reportagem, ao ex-presidente Lula. “O PT aparelhou
demais. Gente que não tinha capacidade subiu rápido.”
O PROJETO ATREU
A venda da refinaria de San Lorenzo era, para o grupo, o começo da
venda de todos os bens da Petrobras na Argentina. “Quem descobriu a
Argentina fui eu”, diz João Augusto. Foi sugerido a ele que contratasse
advogados brasileiros. “A gente que vai fazer negócio fora, seria bom
receber por advogado aqui. Tudo bonitinho. Topei. Fizemos o contrato
para receber tudo por eles (advogados) e cada um ia receber sua parte
depois.” (Por meio de nota, o advogado Sérgio Tourinho afirma que foi
contratado “para fazer o acompanhamento jurídico” na venda da refinaria
San Lorenzo. “Em um determinado momento, me passaram que parte dos meus
honorários deveria ser repassada a terceiros. Claro que não concordei.
E, por isso, tive o contrato rescindido.”.)
Se a refinaria fosse vendida a Cristóbal, o amigo de Cristina Kirchner,
os lobistas receberiam, segundo João Augusto, US$ 10 milhões. A divisão
do “sucesso” demonstra a força do PMDB nos negócios da Petrobras lá
fora. Pela conta dele, dos US$ 10 milhões, US$ 6,8 milhões estavam
destinados a João Augusto. “Eu tinha de repassar US$ 5 milhões ao PMDB. A
maior parte disso era PMDB de Minas, porque era o Fernando (Diniz). A
partir daí, não sei quem eles pagavam, nem quanto. Deputado é f... Você
dá para um e, a partir dali, não dá para saber se ele deu para um, se
ele deu para meia dúzia, se ele ficou (com o dinheiro)…”
Entre eles, a operação, não se sabe por que motivo, era conhecida como
“projeto Atreu”. Em setembro e outubro de 2009, os lobistas reuniram-se
muitas vezes na sala de reuniões do Hotel Hilton, em Buenos Aires, para
avançar nas tratativas. Uma das presenças certas, segundo João Augusto,
era o diretor Clóvis Correa. (Hoje, Clóvis é assessor da Transpetro,
empresa da Petrobras comandada pelo PMDB, e nega ter participado das
negociações para a venda da refinaria de San Lorenzo.) “O Clóvis estava
conosco em todas as reuniões. Como ele havia sido meu colega de
faculdade, e eu tinha boas relações com ele, fiquei mais tranquilo”, diz
João Augusto. Ele conta que, nas reuniões, combinava com outros
lobistas pagamentos em contas no exterior. Uma das contas citadas,
segundo um dos lobistas, era identificada como Tiger, na China – uma
conta usada por doleiros para fazer pagamentos a partidos como PT e
PMDB, conforme afirmou a Polícia Federal, em 2009, na operação Castelo
de Areia, que investigou denúncias de pagamento de propina a políticos.
Enquanto a venda da refinaria avançava, o grupo oficializava a união
para organizar os futuros negócios na Petrobras. Chegaram a assinar um
instrumento particular de parceria, em que se comprometiam a dividir os
contratos que cada um obtivesse. A união durou pouco. Era muito dinheiro
e pouca confiança entre eles. João Augusto exigiu aos demais subir sua
participação de US$ 6,8 milhões para US$ 8,8 milhões, por causa da
pressão do PMDB. “Ele disse que o PMDB precisava fazer caixa para a
campanha de 2010”, diz um dos lobistas. Houve briga entre eles, mas o
advogado Tourinho aceitou assinar um aditivo ao contrato principal de
sucesso, reduzindo a participação dele e dos demais a US$ 1,2 milhão.
João Augusto quis fazer um contrato em separado com os argentinos.
Conta que foi até Buenos Aires tentar persuadir Rottemberg, o operador
do negócio pelo lado argentino, encarregado pelo amigo de Cristina
Kirchner de pagar os brasileiros. Temendo que seus parceiros no PMDB não
confiassem em sua palavra, João Augusto levou uma testemunha: Felipe
Diniz, filho do deputado Fernando Diniz, que morrera recentemente.
Àquela altura, a pressão do PMDB por resultados era imensa. “Usei o nome
do PMDB, até para todo mundo saber que não estava dando calote em mim,
estava dando calote no partido”, diz João Augusto. O novo contrato, ele
afirma, não deu certo. Em maio de 2010, a Petrobras anunciou a venda da
refinaria, por US$ 110 milhões, ao empresário Cristóbal Lopez. “O
negócio saiu, mas não recebi nada. Eles (os outros lobistas) receberam. E
o cara em quem eu achava que podia confiar, o Clóvis, foi o que recebeu
mais. Eu tinha compromissos e fiz papel de idiota. A única atitude que
pude tomar foi mandar o Zelada tirar o Clóvis da Pesa (Petrobras
Argentina).”
“RAPAZ, ELES ESTÃO SEMPRE EM CAMPANHA, NÉ?”
Nem todas as operações eram tão difíceis quanto a venda da refinaria de
San Lorenzo. No mesmo período, João Augusto diz que fechou um contrato
de US$ 1,6 bilhão para que a Petrobras alugasse o navio-sonda Titanium
Explorer, da empresa Vantage. O contrato rendeu uma comissão de US$ 14,5
milhões, que deveria ser paga em três parcelas. Segundo João Augusto, a
primeira foi paga ainda no começo de 2009; a segunda, em seguida. A
terceira, diz ele, não foi paga, em razão de uma briga societária na
Vantage. O sócio que o contratara é hoje processado pelos demais sob a
acusação de ter desviado dinheiro da empresa. “Repassei US$ 10 milhões
ao PMDB”, diz. Nesse caso, não especificou nomes. “A quem de direito no
partido. É a regra.” Era dinheiro para campanha? “Rapaz, eles estão
sempre em campanha, né?”, diz.
“(O repasse) era maior do que 50%. Podia ser 60% ou 70%. Dependia do
negócio. (...) Na área internacional (da Petrobras), se eu fizer alguma
coisa, tem de ajudar o partido. Porque foi o partido quem indicou o
Zelada. O mundo é assim. E é assim em qualquer lugar.” Em seguida,
afirma: “Se eu fizesse negócio em outra diretoria, não tinha fee
(comissão) para o partido. E eu falava para eles: aqui não devo nada”.
João Augusto parecia genuinamente magoado com os parceiros no PMDB.
“Depois que você conhece os bastidores, não dorme mais tranquilo. Pensa
que é fácil nego te ligando? ‘A campanha tá aí…’ Nego xingando o Zelada
porque não vinha dinheiro.” Ao mesmo tempo, ele parecia sentir-se
culpado por não corresponder às altas expectativas dos deputados: “Os
caras me acolheram tão bem… Você sente que tem de ajudar o grupo”.
E quem coordenava o “grupo”, após a morte de Fernando Diniz? “Uma hora
foi o (deputado) Mauro Lopes, outra foi o (deputado) João Magalhães.”
(Mauro Lopes afirma conhecer João Augusto há mais de 20 anos e diz que
sugeriu seu nome para ocupar a Diretoria Internacional da Petrobras ao
então líder da bancada peemedebista de Minas Gerais, Fernando Diniz. E
nega ter sido beneficiado com repasses de dinheiro.) “Não sei como era a
divisão: para quem eles davam, se davam certo… Só mandava.” João
Augusto desce aos detalhes das transações: “Normalmente, (os deputados)
me davam (a conta no exterior) e eu mandava via doleiro.” Ele conta que
sempre recebia reclamações. “Era muita gente (para receber). Uma
operação de US$ 5 milhões parece boa, mas (…) eram dez, 12 pessoas. No
fim, (os deputados) achavam uma m...”
UMA CPI PARA CÁ, UM CONTRATO PARA LÁ
Ao cabo de duas horas de revelações, João Augusto parece pronto para
contar sua maior proeza, de acordo com os outros lobistas do PMDB: o
contrato de quase US$ 1 bilhão entre a Área Internacional da Petrobras e
a empreiteira Odebrecht, fechado às vésperas do segundo turno da
eleição de 2010. Pelo contrato, a Odebrecht cuidaria da segurança
ambiental da Petrobras em dez países.
– E a Odebrecht?
– Odebrecht? Eu montei tudo.
João Augusto diz que, no auge da CPI da Petrobras no Senado, no segundo
semestre de 2009, o relator da comissão, senador Romero Jucá, do PMDB,
que também era líder do governo, convocou-o para uma reunião em
Brasília. Disse que fizera um acordo com o então presidente da
Petrobras, Gabrielli: o PMDB ajudaria a enterrar a CPI, que já estava
morna, e, em troca, Gabrielli não criaria dificuldades à aprovação, pela
diretoria executiva da Petrobras, do “projeto” Odebrecht. “Manda o João
apresentar”, disse Gabrielli a Jucá, segundo o relato de João Augusto.
Logo depois, em dezembro de 2009, Jucá apresentou seu relatório final
que isentava a Petrobras de irregularidades. A CPI morria conforme o
previsto. (Jucá nega ter chamado João Augusto a Brasília para tratar do
contrato entre Petrobras e Odebrecht. “Não houve nenhum tipo de conversa
com o Gabrielli sobre qualquer contrato em troca de CPI. Até porque eu
era líder do governo, eu estava tratando com seriedade.”)
Para fazer o contrato, João Augusto diz que fez “um grupo de trabalho,
técnico, sério”. “Trabalhamos um ano nisso. A Petrobras precisava mesmo
consolidar essas operações de meio ambiente lá fora. A empresa não sabia
o tamanho do passivo, quem cuidava do quê. Era preciso centralizar”,
diz João Augusto. Por que não fazer uma licitação? “A Odebrecht tinha de
ganhar. Foi até ideia minha. Pelo tamanho dela. Pelo padrão”, diz. A
Petrobras convidou formalmente outras empreiteiras. Todas declinaram.
Deu Odebrecht. Ouvida a respeito do caso, a Odebrecht nega ter feito
contrato com João Augusto Henriques. E afirma, em nota: “A afirmação que
a Odebrecht pagou o equivalente a US$ 8 milhões para a campanha de 2010
da presidente Dilma Rousseff, por intermédio do secretário de Finanças
do PT, João Vaccari, não procede. A Odebrecht faz suas doações dentro de
uma visão republicana e em prol da democracia e do desenvolvimento
econômico e social do país, respeitando rigorosamente os limites e
condições impostas pela legislação eleitoral”.
No momento em que Gabrielli deveria cumprir sua parte do acordo com
Jucá, o PMDB foi traído, diz João Augusto. “Quando ela (a Odebrecht)
ganhou, Gabrielli fez de tudo para derrubar na diretoria. A CPI, claro,
já tinha passado. Quis f… o negócio. O contrato entrava na pauta da
diretoria, mas eles enrolavam.” Com sua experiência política, João
Augusto sabia o que fazer. Conta que conversou primeiro com seus
parceiros na Odebrecht. Em seguida, procurou Vaccari, também tido como
homem do PT na Petrobras. “Avisei a ele: a Odebrecht vai ajudar vocês na
campanha. Vai lá e acerta com eles”, diz João Augusto. Qual o valor
acertado? “Deram, mais ou menos, o equivalente a US$ 8 milhões para o
Vaccari”, afirma.
As dificuldades na diretoria prosseguiram por mais algumas semanas. Em
26 de outubro de 2010, a cinco dias do segundo turno entre Dilma e José
Serra, do PSDB, a diretoria da Petrobras aprovou o contrato. “Todo mundo
recebeu. O partido, eu e as pessoas que ajudam. Quem ajuda, ganha”, diz
João Augusto. E quem recebeu? Ele não responde. “Pessoas de dentro (da
Petrobras) que eu pago.” Quanto o PMDB recebeu? “Foram US$ 10 milhões ou
US$ 11 milhões. Não mexo com dinheiro dos outros. A Odebrecht tem os
canais dela com os partidos”, diz ele. E como se dava o pagamento? “A
parte deles (PT e PMDB) eu não sei. A minha foi lá fora”, disse. “Todos
os contratos são assim.”
O contrato da Odebrecht parece ter sido a última grande operação da
turma de João Augusto. Logo depois, no governo Dilma, o aparelhamento
diminuiu. Saíram muitos dos diretores ligados ao PT. Zelada foi perdendo
poder e pediu demissão em julho do ano passado. João Augusto, porém,
continua à cata de negócios na Petrobras. Recentemente, participou da
venda da sociedade que a Petrobras tem numa distribuidora de energia na
Argentina. “Você não vai acreditar, mas não preciso de políticos para
ganhar dinheiro. Ganho mais sem eles”, diz João Augusto, antes de se
levantar e ir embora. Paguei a conta.
ATUALIZAÇÃO: PDMB nega ter recebido propina
O PMDB divulgou nota neste sábado (10) sobre a reportagem de ÉPOCA. O
presidente nacional do partido, senador Valdir Raupp, afirmou, no
comunicado, que a legenda “jamais recebeu os recursos mencionados no
texto”. Raupp disse tambem que João Augusto Henriques não tinha
autorização ou delegação para falar ou atuar em nome do PMDB”.
Abaixo, a íntegra da nota do PMDB:
"Sobre a reportagem da revista Época, o PMDB esclarece que jamais
recebeu os recursos mencionados no texto. A declaração prestada ao
Tribunal Superior Eleitoral sobre a campanha de 2010 registra todos
valores que o Diretório Nacional arrecadou naquele ano, e foi a única
forma pela qual o PMDB financiou sua campanha. Não houve doação da
Construtora Odebrecht. É inverídica e fantasiosa afirmação em contrário.
João Augusto Rezende Henriques não tinha autorização ou delegação para
falar ou atuar em nome do PMDB, nem para buscar recursos para a
campanha."
globo.com