Ele desafiou a maior potência
do mundo. Ele revelou milhares de documentos ultrassecretos. Ele
mostrou como funciona a espionagem da NSA, a Agência de Segurança
Nacional dos Estados Unidos. Edward Snowden, o homem mais procurado do
planeta, falou ao Fantástico. A repórter Sônia Bridi foi a Moscou para
uma entrevista exclusiva para o Brasil.
Depois de quase um ano de
negociações, frente a frente com o homem mais procurado do mundo.
Moscou, capital da Rússia, onde Edward Snowden está asilado há dez
meses. O lugar exato onde ele vive? Nem os amigos mais próximos sabem.
Para entrevistar o homem mais
procurado do mundo, a repórter Sônia Bridi chegou a Moscou apenas com o
nome do hotel onde deveria se hospedar. Ela não foi até Edward Snowden.
Foi ele que chegou até ela no hotel.
A entrevista, a pedido dele, foi feita no próprio quarto onde ela estava hospedada.
Fantástico: Como é a sua vida na Rússia?
Snowden: Olha, não é tão ruim
quanto parece. A Rússia não é um país perfeito, e discordo fortemente
de muitas coisas, principalmente como eles monitoram a internet e
censuram a imprensa. Mas, no dia a dia, sabe, é melhor do que a prisão.
Prisão é o que ele tenta
evitar há um ano, vivendo uma história de filme de espionagem. Em junho
de 2013, Snowden se encontrou com o jornalista Glenn Greenwald e a
documentarista Laura Poitras, em Hong Kong, e entregou a eles milhares
de documentos, com os maiores segredos da espionagem americana.
Revelou que a Agência de
Segurança Nacional, a NSA, até então pouco conhecida do grande público,
monitora as comunicações por internet e telefone no mundo inteiro,
inclusive dos próprios cidadãos americanos. É a chamada metadata, que
registra quem fala com quem, por quanto tempo, onde estava quando falou e
quanto tempo durou a conversa.
“É como se os Estados Unidos tivessem contratado detetives particulares para seguir todos nós”, ele destaca.
Países inteiros, como o
México e as Bahamas, têm também o conteúdo das comunicações armazenado
pela NSA. Como em uma máquina do tempo de espionagem, a agência pode
voltar ao passado e recuperar tudo o que foi dito ou escrito. Em um ano,
nenhuma semana se passou sem uma nova revelação baseada nos documentos.
Fantástico: Como é que um
rapaz de 29 anos, que nunca terminou o ensino médio, trabalhando para
uma empresa terceirizada da NSA, teve acesso a tantos documentos?
“É um erro de informação
propagado nos Estados Unidos e depois pelo mundo todo de que eu era um
empregado de baixo escalão, que copiou documentos que não entendia. Na
verdade, eu tinha um cargo alto”, ele afirma.
Na adolescência, vivia
conectado e descobrindo como funcionam computadores, escrevendo
programas. Típico da geração internet. “Eu sou cria da internet”, diz.
Depois dos ataques de 11 de
setembro, ele se alistou no Exército. “Fui voluntário porque acreditei
no que o governo estava dizendo na época, que o Iraque estava
desenvolvendo armas de destruição em massa. Eu achei que servir era
generoso, uma atitude nobre”, conta.
Mas Snowden quebrou as duas
pernas no treinamento. Dispensado do Exército, foi recrutado e treinado
pelos serviços de espionagem. Trabalhou como espião na Suíça e no Japão.
Era o especialista em informação digital da CIA. Seu último posto, no
Havaí, especialista em tecnologia e cibersegurança da NSA.
Fantástico: Em que ponto você decidiu juntar e vazar os documentos para o público?
Snowden: O ponto sem volta
para mim foi quando vi, no Congresso, James Clapper, o chefe da
espionagem americana. Ele levantou a mão, jurou dizer a verdade.
Perguntaram para ele: ‘Os Estados Unidos monitoram informações de
milhões de americanos?’ E ele disse: ‘Não’. E eu sabia que era mentira.
Os deputados da comissão também sabiam que era mentira. E ninguém disse
nada.
No fim de 2012, Snowden
mandou um e-mail para o jornalista Glenn Greenwald, radicado no Brasil e
que então trabalhava no jornal inglês “The Guardian”. Queria que Glenn
instalasse um programa de criptografia, que protege o sigilo na
internet, para eles se comunicarem.
Em seu livro, “Sem lugar para
se esconder”, Glenn conta esta e outras histórias dos bastidores do
caso Snowden. Em Moscou, eles se reencontraram pela primeira vez desde
que, há um ano, Snowden entregou os documentos em Hong Kong.
Snowden: É tão bom revê-los. Eles foram ao inferno e voltaram para fazer essas reportagens.
Fantástico: Você leu todos os documentos? Sabe exatamente o que há em cada um?
Snowden: Sim, o Glenn já disse que estavam todos organizados, em pastas, etiquetados.
Fantástico: Ainda tem mais revelações sobre o Brasil?
Glenn Greenwald: Com certeza,
tem mais documentos que vão mostrar a brasileiros e ao mundo o que os
Estados Unidos estão fazendo dentro do Brasil e também da Inglaterra e
outros países também.
Snowden diz que durante todo
esse ano evitou dar entrevistas porque não queria tirar a atenção dos
documentos. Mas, agora, com todas as revelações que foram feitas, se
sente seguro para discutir seus sentimentos.
As lembranças mais duras são
dos 40 dias que ele passou na área de trânsito do aeroporto de Moscou. A
escala virou uma armadilha quando o passaporte dele foi cancelado.
Snowden: Eu nunca escolhi vir para a Rússia. Eu estava a caminho da América do Sul.
Fantástico: Onde na América do Sul?
Snowden: Equador. Mas os
Estados Unidos cancelaram meu passaporte, e eu não pude mais viajar.
Fizeram de propósito para poder dizer: ‘Ele é espião russo’.
Fantástico: E como foi ficar preso no aeroporto por tanto tempo?
Snowden: Foi muito tenso.
Você não sabe o que vai acontecer naquele dia. O que vai acontecer
enquanto você dorme. Se alguém vai bater na porta. Se alguém vai
derrubar a porta.
Fantástico: Você se arrepende?
Snowden: Sabe... Acho que
não... Eu sentia que devia tornar isso público, com responsabilidade. E a
maneira de impedir que a minha opinião prevalecesse, foi fazendo
parceria com jornalistas competentes, e instituições sérias, que confio,
que iriam checar as informações, equilibrar a cobertura. Como "The
Guardian", "Washington Post", "New York Times", a “Globo” e "Der
Spiegel". Deixei a imprensa livre fazer o que faz melhor: ajudar os
cidadãos a se tornarem eleitores informados, que pensam em que tipo de
sociedade querem viver.
Para Snowden, esse debate é a
essência da liberdade: “Não é sobre privacidade. É liberdade. O
equilíbrio entre os direitos individuais e o direito que o governo tem
de coletar informações. Se vigiarmos cada homem, mulher e criança, da
hora em que nascem até a hora que morrerem, podemos dizer que eles são
livres? Isso é muito perigoso. Porque mudamos nosso comportamento se
sabemos que estamos sendo vigiados. É uma ameaça à democracia”.
Ele também nega que os
chineses tenham copiado tudo antes de ele deixar Hong Kong: “Isso é uma
maluquice. Eu sou especialista em cibersegurança. Ensinava aos agentes
da CIA e da NSA como se proteger exatamente desse tipo de coisa”.
Há dez meses ele vive na Rússia. Nunca foi sequer fotografado.
Fantástico: Você pode sair para rua?
Snowden: Claro. Por que não?
Fantástico: Você não é recluso?
Snowden: Não. Quer dizer, sou naturalmente recluso, cria da internet, né?
Fantástico: Os russos te vigiam?
Snowden: Bom, tenho certeza
de que fazem algum tipo de vigilância, mas eu não vejo nada. Eu não
posso, por segurança, dizer onde moro, como vivo. Mas eu diria que levo
uma vida surpreendentemente aberta.
Fantástico: Você não é reconhecido nas ruas?
Snowden: Eles me reconhecem
quando vou a lojas de computadores. Mas comprando comida, na banca de
revistas, ninguém me reconhece.
Fantástico: Você se disfarça, ou sai com essa cara de Edward
Snowden?
Snowden: Melhor eu não responder essa.
Fantástico: Do que você mais sente falta?
Snowden: Da minha família, claro.
O governo americano diz que a luta contra o terrorismo ficou mais difícil por causa desses vazamentos.
Fantástico: Alguns congressistas dizem que você é um traidor, um desertor.
Snowden: Você não pode ser
traidor a menos que a sua lealdade tenha sido transferida para um
inimigo do Estado. E a minha lealdade nunca mudou. Mesmo hoje, eu
continuo trabalhando para o governo americano. Não quero derrubar o
governo e nem destruir a NSA. Quero que sejam melhores.
Fantástico: Você enfrentaria um julgamento nos Estados Unidos?
Snowden: Eu adoraria. Mas não há um julgamento justo esperando por mim.
Snowden é acusado de traição
pelo ato de espionagem, uma lei feita em tempos de guerra, que prevê
julgamento sem defesa pública. Outra acusação é de que ele atrapalhou a
relação americana com países amigos, vazando documentos com revelações,
como as feitas com exclusividade pelo Fantástico, comprovando que os
americanos e seus aliados, Inglaterra, Canadá, Austrália, Nova Zelândia,
grampearam os telefones da presidente Dilma e de seus assessores mais
próximos. Espionaram também a Petrobras e o Ministério das Minas e
Energia.
Fantástico: Você acompanhou essas reportagens daqui?
Snowden: Sim. E não há
justificativa para espionar a Petrobras. Por que o presidente americano
quer ler os e-mails da Dilma Rousseff? Obama disse que não sabia. Pode
ser verdade. Ele concordou comigo que não há benefício nenhum, nenhuma
vida foi salva. E por isso determinou que parassem.
Snowden disse que ouviu o
discurso da presidente Dilma na ONU, criticando a espionagem americana, e
achou inspirador: “Foi incrível porque ela foi a primeira presidente
que tomou a liderança para dizer ‘Temos o direito de falar, de nos
comunicarmos sem sermos espionados’. E esses não são direitos de um
país. São direitos humanos.
A repórter Sônia Bridi lembra
a ele que o Congresso americano já o acusou de oferecer documentos para
o Brasil em troca de asilo.
Fantástico: Essa oferta está na mesa?
Snowden: Absolutamente não.
Primeiro, eu não tenho documentos a oferecer. Eu nunca cooperaria com um
governo em troca de asilo. Asilo deve ser dado por razões humanitárias.
Fantástico: O que vai acontecer quando seu asilo temporário aqui vencer?
Snowden: Essa pergunta é
difícil. Eu não tenho resposta. Meu asilo vence aqui no começo de
agosto. E se o Brasil me oferecer asilo, eu ficarei feliz em aceitar.
Fantástico: Você gostaria de viver no Brasil?
Snowden: Eu adoraria morar no Brasil. De fato, eu já pedi asilo ao governo brasileiro.
Fantástico: Então você mandou um pedido?
Snowden: Sim. Quando eu estava no aeroporto, mandei um pedido a vários países. O Brasil foi um deles. Foi um pedido formal.
O governo brasileiro, na
época, disse que não recebeu pedido algum. “Isso para mim é novidade.
Talvez seja algum procedimento que eles achem que não foi seguido”,
afirma.
Snowden diz que vive um dia de cada vez.
Fantástico: Você está feliz?
Snowden: Eu sou. É difícil
ficar separado da família, não poder ir para casa, participar do governo
e da sociedade. Mas toda noite vou dormir confiante de que fiz as
escolhas certas. Por isso, a cada manhã, eu acordo satisfeito.