“Era
uma coisa natural. Não foi revolta. Eu sempre me senti mulher”. Essa é a
definição que a transexual Beatriz Marques Trindade Campos, de 19 anos,
faz de sim mesma. Ela vê com naturalidade a sua condição sexual e diz
que não é uma questão de orientação sexual, mas sim, de identidade de
gênero.
Biatriz foi uma das transexuais que tiveram que enfrentar um
contrangimento para fazer a prova do Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem) no último fim de semana. O examinador desconfiou que a mulher que
ia entrar em sala não fosse a mesma pessoa do documento com nome
masculino. Beatriz diz que prefere não revelar o nome que consta no
registro.
Tímida, a moça que mora em Sete Lagoas, a 74 quilômetros de Belo Horizonte, faz o 2º período de direito no Centro Universitário de Sete Lagoas (Unifemm), mas tem planos de morar em Belo Horizonte a partir do próximo ano.
Ela diz que quer se envolver com mais afinco aos movimentos LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros). “Na verdade, os movimentos são GGG". Beatriz critica a ênfase nos direitos dos gays, deixando os transexuais muitas vezes de fora. "A letra 'T' deveria ser desmembrada da sigla e ter vida própria”, completa.
Com relação à carreira profissional, Beatriz conta que, por estar no início do curso, ainda não sabe qual a área do direito quer atuar. Certeza mesmo ela tem em relação à sua condição sexual. “Eu sou uma mulher transexual”.
Além desse objetivo, Beatriz também quer “dar um gás” no tratamento que faz para readequação sexual. “Aqui [Sete Lagoas] é uma cidade pequena. Esse é um dos motivos que também quero eu ir para Belo Horizonte”.
Beatriz conta que procurou um endocrinologista na cidade e que o médico demonstrou estar despreparado, com relação à transformação corporal que ela pretendia. Ela disse que precisou recorrer a fóruns na internet para fazer o tratamento com automedicação. Atualmente, faz uso de comprimidos para diminuir a testosterona, para aumentar o estrogênio e um suplemento vitamínico. Ao todo, por dia, são cinco remédios. Ela diz que gostaria de fazer o tratamento com acompanhamento médico, mas argumenta que não encontra profissionais em sua cidade.
Segundo ela, o corpo passa por mudanças. O quadril está mais largo, os seios estão crescendo, a pele mudou e os pelos diminuíram. O cabelo está longo.
'Um perigo' A endocrinologista Adriana Bosco, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, alerta para o perigo da automedicação hormonal. "Com hormônio não se brinca”, disse a especialista, que completa "o negócio é mais sério do que se pensa”. Ela afirma que qualquer tratamento hormonal só deve ser feito com acompanhamento médico.
Segundo Adriana, a mudança corporal do transexual é uma questão muito mais complexa do que se imagina, e deve ser tratada com muita seriedade. Antes de qualquer tratamento físico, é preciso que haja um diagnóstico psiquiátrico e psicológico da transexualidade. Somente depois desta etapa é que se pensa nas alterações físicas. E a cirurgia de mudança do órgão genital deve ser a última etapa do processo.
"Não se deve nunca procurar a cirurgia direto. Primeiro, tem que ser feito tratamento hormonal, após o diagnóstico, por pelo menos dois anos. Depois, reavalia-se o perfil psicológico e psiquiátrico. Então vamos partir para a adaptação anatômica mais radical", descreveu a especialista.
Mas, apesar do alerta, a médica denuncia que verifica-se no Brasil uma carência de endocrinologistas e outros médicos especializados em tratar casos de transexualidade. "Existe esta população que precisa de cuidados médicos, e nós nos abstemos de cuidar", disse. Para ela, a falta destes profissionais acaba facilitando que o transexual busque outras formas de informação para a mudança hormonal, como fóruns na internet. "Eles [os transexuais] não devem deisistir [de buscar acompanhamento médico]. Não devem sucumbir às tentações fáceis da internet", encerrou. Família
Beatriz tem dois irmãos, de 12 e 25 anos, e mora com a mãe e o garoto. O irmão mais velho é separado, tem dois filhos e vive em outro local. Ela garante que nunca teve problemas em casa e que eles sempre a aceitaram como ela é. O pai morreu há 13 anos. “Eu acho que o que me ajudou muito foi minha família. Sempre tratou com naturalidade. Fiz uma transição bem tranquila, bem natural”.
Há dois decidiu assumir a identidade verdadeira. “Caí na real. Não tem como continuar assim. E hoje é bem melhor, estou bem mais feliz”. Ela fala também que não se sentiu discriminada e que os amigos não se afastaram. “Socialmente, sou bem aceita. Qualquer lugar que eu vou nunca tive problema”.
O único constrangimento, segundo ela, aconteceu no último fim de semana ao fazer as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ao chegar à sala de aula, apresentou o documento de identidade que, teoricamente, seria de um homem, o que diverge da aparência física adotada por Beatriz. O fiscal questionou, e ela disse com naturalidade. “Sou eu mesma”. E explicou que era uma mulher transexual.
No mais, ela garante que não passou por outra saia justa e que leva a vida com tranquilidade. “O que mais me incomoda não é a transfobia. É o machismo, o que a mulher tem que ser”.
Discreta, conta que não é adepta a rotinas femininas, como se maquiar e pintar as unhas. Para a entrevista, ela apenas usou uma base no rosto e rímel nos olhos. Muito sutis, quase imperceptíveis. Ela diz que não há necessidade de pintar as unhas para se sentir mais feminina. Sobre a redesignação genital, cirurgia para mudança de sexo, Beatriz fala que o processo é burocrático e difícil. “Não é uma troca de sexo, é uma adaptação”. Ela conta que a dificuldade é ter o dinheiro para fazê-la. Há seis meses fez levantamentos que apontaram um gasto de cerca de R$ 45 mil. Esse valor incluiria a viagem para a Tailândia, na Ásia, hospedagem e a operação.
Beatriz explica que há um médico que faz o procedimento com pagamento particular no Rio de Janeiro, mas que ainda não tem confiança em fazer. Pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ela diz que é muito demorado, pode levar anos. Mas,mais importante que a própria cirurgia, de acordo com
Beatriz, é a mudança do nome. Entrou com um processo para mudança dos documentos para usar o nome social, que já é usado na faculdade onde estuda.
Beatriz conta que tem uma disciplina chamada práticas jurídicas, que oferece serviço gratuito. Ela recolheu documentos, laudo hormonal e um comunicado que usa o nome social na universidade para o processo. Amor
Ela diz que está solteira, mas evitou comentar se “está ficando" com alguém. De certo mesmo é que ela conta que só teve relacionamentos com homens. Contudo, não vê problemas em ficar com alguma garota, algum dia. Para ela, a monogamia é complicada, mas pensa em ter uma vida mais estável e ser mãe porque gosta de crianças. “Para mim não é impossível ficar somente com uma pessoa, mas isso tem que ser dos dois lados. Se não for, é preferível que fale a verdade e eu saiba que ele fica com outras pessoas”.
G1/pb a gora
Tímida, a moça que mora em Sete Lagoas, a 74 quilômetros de Belo Horizonte, faz o 2º período de direito no Centro Universitário de Sete Lagoas (Unifemm), mas tem planos de morar em Belo Horizonte a partir do próximo ano.
Ela diz que quer se envolver com mais afinco aos movimentos LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros). “Na verdade, os movimentos são GGG". Beatriz critica a ênfase nos direitos dos gays, deixando os transexuais muitas vezes de fora. "A letra 'T' deveria ser desmembrada da sigla e ter vida própria”, completa.
Com relação à carreira profissional, Beatriz conta que, por estar no início do curso, ainda não sabe qual a área do direito quer atuar. Certeza mesmo ela tem em relação à sua condição sexual. “Eu sou uma mulher transexual”.
Além desse objetivo, Beatriz também quer “dar um gás” no tratamento que faz para readequação sexual. “Aqui [Sete Lagoas] é uma cidade pequena. Esse é um dos motivos que também quero eu ir para Belo Horizonte”.
Beatriz conta que procurou um endocrinologista na cidade e que o médico demonstrou estar despreparado, com relação à transformação corporal que ela pretendia. Ela disse que precisou recorrer a fóruns na internet para fazer o tratamento com automedicação. Atualmente, faz uso de comprimidos para diminuir a testosterona, para aumentar o estrogênio e um suplemento vitamínico. Ao todo, por dia, são cinco remédios. Ela diz que gostaria de fazer o tratamento com acompanhamento médico, mas argumenta que não encontra profissionais em sua cidade.
Segundo ela, o corpo passa por mudanças. O quadril está mais largo, os seios estão crescendo, a pele mudou e os pelos diminuíram. O cabelo está longo.
'Um perigo' A endocrinologista Adriana Bosco, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, alerta para o perigo da automedicação hormonal. "Com hormônio não se brinca”, disse a especialista, que completa "o negócio é mais sério do que se pensa”. Ela afirma que qualquer tratamento hormonal só deve ser feito com acompanhamento médico.
Segundo Adriana, a mudança corporal do transexual é uma questão muito mais complexa do que se imagina, e deve ser tratada com muita seriedade. Antes de qualquer tratamento físico, é preciso que haja um diagnóstico psiquiátrico e psicológico da transexualidade. Somente depois desta etapa é que se pensa nas alterações físicas. E a cirurgia de mudança do órgão genital deve ser a última etapa do processo.
"Não se deve nunca procurar a cirurgia direto. Primeiro, tem que ser feito tratamento hormonal, após o diagnóstico, por pelo menos dois anos. Depois, reavalia-se o perfil psicológico e psiquiátrico. Então vamos partir para a adaptação anatômica mais radical", descreveu a especialista.
Mas, apesar do alerta, a médica denuncia que verifica-se no Brasil uma carência de endocrinologistas e outros médicos especializados em tratar casos de transexualidade. "Existe esta população que precisa de cuidados médicos, e nós nos abstemos de cuidar", disse. Para ela, a falta destes profissionais acaba facilitando que o transexual busque outras formas de informação para a mudança hormonal, como fóruns na internet. "Eles [os transexuais] não devem deisistir [de buscar acompanhamento médico]. Não devem sucumbir às tentações fáceis da internet", encerrou. Família
Beatriz tem dois irmãos, de 12 e 25 anos, e mora com a mãe e o garoto. O irmão mais velho é separado, tem dois filhos e vive em outro local. Ela garante que nunca teve problemas em casa e que eles sempre a aceitaram como ela é. O pai morreu há 13 anos. “Eu acho que o que me ajudou muito foi minha família. Sempre tratou com naturalidade. Fiz uma transição bem tranquila, bem natural”.
Há dois decidiu assumir a identidade verdadeira. “Caí na real. Não tem como continuar assim. E hoje é bem melhor, estou bem mais feliz”. Ela fala também que não se sentiu discriminada e que os amigos não se afastaram. “Socialmente, sou bem aceita. Qualquer lugar que eu vou nunca tive problema”.
O único constrangimento, segundo ela, aconteceu no último fim de semana ao fazer as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ao chegar à sala de aula, apresentou o documento de identidade que, teoricamente, seria de um homem, o que diverge da aparência física adotada por Beatriz. O fiscal questionou, e ela disse com naturalidade. “Sou eu mesma”. E explicou que era uma mulher transexual.
No mais, ela garante que não passou por outra saia justa e que leva a vida com tranquilidade. “O que mais me incomoda não é a transfobia. É o machismo, o que a mulher tem que ser”.
Discreta, conta que não é adepta a rotinas femininas, como se maquiar e pintar as unhas. Para a entrevista, ela apenas usou uma base no rosto e rímel nos olhos. Muito sutis, quase imperceptíveis. Ela diz que não há necessidade de pintar as unhas para se sentir mais feminina. Sobre a redesignação genital, cirurgia para mudança de sexo, Beatriz fala que o processo é burocrático e difícil. “Não é uma troca de sexo, é uma adaptação”. Ela conta que a dificuldade é ter o dinheiro para fazê-la. Há seis meses fez levantamentos que apontaram um gasto de cerca de R$ 45 mil. Esse valor incluiria a viagem para a Tailândia, na Ásia, hospedagem e a operação.
Beatriz explica que há um médico que faz o procedimento com pagamento particular no Rio de Janeiro, mas que ainda não tem confiança em fazer. Pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ela diz que é muito demorado, pode levar anos. Mas,mais importante que a própria cirurgia, de acordo com
Beatriz, é a mudança do nome. Entrou com um processo para mudança dos documentos para usar o nome social, que já é usado na faculdade onde estuda.
Beatriz conta que tem uma disciplina chamada práticas jurídicas, que oferece serviço gratuito. Ela recolheu documentos, laudo hormonal e um comunicado que usa o nome social na universidade para o processo. Amor
Ela diz que está solteira, mas evitou comentar se “está ficando" com alguém. De certo mesmo é que ela conta que só teve relacionamentos com homens. Contudo, não vê problemas em ficar com alguma garota, algum dia. Para ela, a monogamia é complicada, mas pensa em ter uma vida mais estável e ser mãe porque gosta de crianças. “Para mim não é impossível ficar somente com uma pessoa, mas isso tem que ser dos dois lados. Se não for, é preferível que fale a verdade e eu saiba que ele fica com outras pessoas”.
G1/pb a gora
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