Para psquiatra, fatores externos e uma doença mental levaram o adolescente a matar seus familiares Foto: Facebook / Reprodução O laudo psiquiátrico sobre Marcelo Pesseghini, 13 anos, feito pelo psiquiatra forense Guido Palomba a pedido daPolícia Civil de São Paulo, afirma que o garoto foi levado a matar seus familiares por uma junção de complicações de uma doença mental e fatores externos, como os jogos de videogame.
Segundo o laudo, concluído no último dia 18 e já em posse do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), além da fibrose cística, “Marcelo era encefalopata”, já que sofreu “intercorrência clínica grave com 2 anos, por pneumotórax, durante procedimento hospitalar”.
“Hipoventilou (o cérebro) e isso teve consequências, pois o pulmão ao ventilar pouco, causa hipóxia e a falta de oxigênio cerebral lesa os neurônios. Cérebro lesado em tenra idade é sinônimo de psiquismo com transtorno”, afirma o documento.
Por conta da encefalopatia, Marcelo passou a desenvolver uma perda da noção da realidade, comparada pelo psiquiatra com a do personagem Dom Quixote, do livro escrito pelo escrito espanhol Miguel de Cervantes.
“Ao matar os familiares (Marcelo) viu-se livre para o mundo imaginado, tornou-se de fato um justiceiro e forniu a mochila com perfume, uma calça, uma faca, um pequeno revólver e alguns rolos de papel higiênico (...) e saiu para dar andamento ao seu ideal quixotesco, na acepção exata do termo”, diz o laudo.
Delírios começaram em 2013
De acordo com o laudo, o delírio de Marcelo começou no início deste ano, “quando passou a convidar os seus amigos para fazerem parte de um grupo (clube) denominado Mercenários”.
Para o psiquiatra, o conceito de “justiceiro” era familiar a Marcelo, por conta da profissão dos pais, os PMs Luis Marcelo Pesseghini, 40 anos, e Andreia Regina Bovo Pesseghini, 35 anos.
“A profissão dos pais marcou-o e fazia parte de seu imaginário. Além disso, a morte e a vida, já por sua doença degenerativa (a fibrose cística), já por ser inerente à ação policial, não lhe eram distantes. Marcelo convivia nesse ambiente, nessa atmosfera”, diz o documento.
Segundo o laudo, os games fizeram com que o adolescente, que havia aprendido a atirar e dirigir com Luis Marcelo e Andreia, querer ser um herói, “mais importante que seus próprios pais”. “Assim, despontou a sua realidade, não mais fictícia como nos videojogos, cujos atores sempre retornam à vida, mas um mundo real que lhe satisfazia o sentimento de ser um justiceiro de verdade.”
Para o psiquiatra, o “delírio” de Marcelo ficou “encapsulado” e, embora tenha frequentado normalmente a escola sem que ninguém percebesse nele qualquer anormalidade, “a doença não deixava de se manifestar clinicamente”.
Morte dos pais foi libertação
Para o especialista, por conta da superproteção de seus pais, Marcelo os via como um obstáculo a seu objetivo de tornar-se um herói e, por isso, os matou. Sem os pais, o adolescente partiu rumo a um ideal “quixotesco”.
“Dom Quixote perdeu a razão depois de ler muitos livros de cavalaria (Marcelo depois de muitos videojogos) e partiu para se tornar um cavaleiro errante (Marcelo, justiceiro errante). O automóvel de Marcelo no lugar do cavalo Rocinante; a faca e o revólver em vez da lança e do escudo; Sancho Pança (o escudeiro) seria os amigos de escola, convidados no dia seguinte; a saída de Dom Quixote de um lugar de La Mancha, tal qual Marcelo de casa. (...) E ainda mais, o fim de ambos é igual em um ponto: ao retornarem ao lugar de origem, sentiram-se fracassados; porém, o cavaleiro andante morreu de tristeza e o justiceiro andante se suicidou”, diz o documento.
Segundo o psiquiatra, ao contar aos amigos que havia matado seus pais para que pudessem seguir adiante com o plano do grupo “Mercenários” e ser desacreditado, a “fantástica realidade (de Marcelo) ruiu completamente”.
“Então, não por arrependimento, mas por fracasso, com a mão esquerda (era canhoto) deu um tiro no próprio ouvido, com a mesma simplicidade que dava tiros nos games, nos quais as pessoas “mortas” sempre apareciam de novo.”
Em sua conclusão, Palomba afirma que “a motivação do crime foi psicopatológica”. “É o que ocorre, guardadas as proporções, com o psiquismo de todas as crianças de pouca idade, em que fantasia e realidade ainda permanecem amalgamadas: quando vestem a máscara de leão, não se acham seres mascarados, mas o próprio leão. Em Marcelo, a máscara era a de justiceiro errante.”
Chacina de família desafia polícia em São Paulo
Cinco pessoas da mesma família foram encontradas mortas na noite de segunda-feira, dia 5 de agosto, dentro da casa onde moravam, na Brasilândia, zona norte de São Paulo. Entre os mortos, estavam dois policiais militares - o sargento Luis Marcelo Pesseghini, 40 anos, e a mulher dele, a cabo de Andreia Regina Bovo Pesseghini, 35 anos. O filho do casal, Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini, 13 anos, também foi encontrado morto, assim como a mãe de Andreia, Benedita Oliveira Bovo, 65 anos, e a irmã de Benedita, Bernardete Oliveira da Silva, 55 anos.
A investigação descartou que o crime tenha sido um ataque de criminosos aos dois PMs e passou a considerar a hipótese de uma tragédia familiar: o garoto teria atirado nos pais, na avó e na tia-avó e cometido suicídio.
A teoria foi reforçada pelas imagens das câmeras de segurança da escola onde Marcelo estudava: o adolescente teria matado a família entre a noite de domingo e as primeiras horas de segunda-feira, ido até a escola com o carro da mãe, passado a noite no veículo, assistido à aula na manhã de segunda e se matado ao retornar para casa.
Os vídeos gravados pelas câmeras mostraram o carro de Andreia sendo estacionado em frente ao colégio por volta da 1h15 da madrugada de segunda-feira. Porém, a pessoa que estava dentro do veículo só desembarcou às 6h30 da manhã. O indivíduo usava uma mochila e tinha altura compatível à do menino: ele saiu do carro e caminhou em direção à escola.
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