Suplementos nutricionais: Para alguns especialistas, produto pode ser gasto desnecessário de dinheiro
(Thinkstock)
É tentadora a ideia de ingerir cápsulas, barrinhas e shakes como
forma de potencializar os efeitos do exercício físico sobre o ganho de
massa muscular. Tanto é que os suplementos nutricionais são febre nas
academias e cada vez mais usados até pelos praticantes menos assíduos de
atividade física.
O mercado dos suplementos está aquecido no Brasil. Ele começou a
crescer em meados de 2008 e explodiu em 2012, catapultado, segundo
especialistas, pelo crescimento das redes sociais. “Nos últimos anos, a
venda de suplementos para atletas tem registrado um crescimento anual de
cerca de 30%”, afirma Gustavo Hohendorff, gerente de vendas da
importadora de suplementos Carduz.
O número de marombeiros não se elevou nessa proporção — quem engordou
a cifra foram pessoas que malham duas ou três horas semanais e são
seduzidas pela possibilidade de ingerir um alimento que potencialize a
musculação. "Nosso consumidores já não são mais apenas fisiculturistas.
Hoje, adolescentes e idosos tomam suplementos", diz Paulo Araújo,
diretor geral da Probiótica, empresa líder do setor.
De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Produtos
Nutricionais (Abenutri), há cerca de 10 000 pontos de venda de
suplementos esportivos no país — em 2012, havia 6 000. Isso quer dizer
que, para comprar um pote de whey protein — o suplemento mais popular, à
base de proteína, responsável por 60% das vendas — não é mais preciso
entrar numa loja especializada, ponto de encontro de fortões. O produto
chegou à gôndola da farmácia da esquina.
Veto ao whey protein — A disseminação dos
suplementos atraiu a atenção da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), que, nos últimos dois meses,
proibiu a comercialização de mais de vinte marcas de whey protein.
A punição foi aplicada depois de testes revelarem incompatibilidade
entre as informações nutricionais do rótulo e a real composição dos
produtos. De acordo com a agência, a legislação tolera uma diferença de
20% entre o que é declarado na embalagem e o que há dentro do pote. Dos
26 lotes analisados, 19 extrapolaram esse limite, a maioria por
apresentar uma quantidade de carboidrato muito maior do que a declarada —
houve diferença de até 1104%.
Suplementos importados tampouco estão isentos de apresentar alteração
em sua composição, segundo Stuart Phillips, especialista em nutrição
esportiva do Grupo de Pesquisa em Metabolismo do Exercício da
Universidade McMaster, no Canadá, e autor de uma série de estudos sobre o
tema. "Existem produtos que claramente não fornecem os ingredientes
informados no rótulo e alguns fabricantes deliberadamente alteram os
ingredientes", diz, sobre os produtos fabricados no Canadá, Estados
Unidos e Europa.
Médicos divididos — A controvérsia sobre a ingestão
de suplementos não para por aí. Médicos e profissionais da área de
nutrição ainda não chegaram a um consenso sobre os efeitos dos
suplementos e se, de fato, todas as pessoas que usam esses produtos
precisam deles. Para alguns, as substâncias podem promover benefícios
como o ganho de massa muscular sem grandes prejuízos à saúde. Outra
corrente defende que, quase sempre, os nutrientes necessários ao
organismo sejam obtidos pela alimentação. Na opinião desses
especialistas, os suplementos são um gasto desnecessário de dinheiro e,
se usados em excesso, um potencial risco à saúde — distúrbios renais,
ganho de gordura, aumento dos níveis de glicose no sangue e arritmia
cardíaca estão entre os efeitos adversos do consumo não supervisionado.
Os produtos usados para auxiliar no ganho de massa muscular têm ações
variadas. Aqueles à base de proteína, como o whey protein e a albumina,
atuam diretamente na síntese proteica do tecido muscular, essencial
para que um exercício de força resulte em músculos. Aminoácidos como o
BCAA ajudam na recuperação do músculo após uma atividade física, o que
pode melhorar o desempenho do atleta no treino seguinte. Já substâncias
como a maltodextrina fornecem grandes quantidades de carboidrato e dão
energia para exercícios extremamente intensos.
"Os suplementos regulamentados e registrados nada mais são do que
nutrientes isolados de um alimento. O de creatina, por exemplo, oferece
um nutriente que já tem na carne, mas de uma forma isolada", diz Turíbio
Leite de Barros, fisiologista do exercício do Instituto Vita e
ex-coordenador do curso de Medicina Esportiva da Unifesp. "Todos
funcionam – desde que usados adequadamente. Muitos, porém, são
administrados de forma errada e, além de não oferecem benefícios, podem
prejudicar a saúde se houver exagero."
Na teoria, suplementos nutricionais são indicados quando a
alimentação não é suficiente para oferecer todos os nutrientes que uma
pessoa precisa para se manter saudável. No caso de quem utiliza os
produtos para ajudar no ganho de massa muscular, essa lógica é um pouco
diferente. Mesmo a comida tendo os nutrientes necessários para promover o
ganho da massa muscular, alguns especialistas defendem que os
suplementos são uma forma mais prática de obtê-los de uma só vez. Além
disso, certos produtos oferecem proteínas e carboidratos que são
absorvidos rapidamente pelo corpo, o que, segundo eles, pode acelerar os
efeitos positivos da nutrição.
Whey protein
O que é: Mistura de carboidrato, gordura e
principalmente proteína. O whey é um tipo de proteína extraída do soro
do leite em um processo que retém apenas as moléculas menores do
nutriente e, por isso, é absorvida mais rapidamente pelo organismo.
Para que serve: Por conter proteínas que são
rapidamente absorvidas, costuma ser indicado após um treino de força
para suprir a necessidade proteica do corpo para regenerar o músculo
após exercícios do tipo.
Indicação: De acordo com Antonio Lancha Junior,
professor de nutrição da Escola de Esporte e Educação Física da USP, o
whey protein pode ser benéfico a pessoas que praticam alguma atividade
física de resistência e desejam conquistar músculos ou a idosos com
tendência a perder massa muscular.
Cuidados: A quantidade de proteína ingerida ao dia não
deve ultrapassar 2 gramas para cada quilo de peso total do atleta,
segundo o professor da USP. Por isso, ao incluir whey protein na dieta, é
preciso assegurar-se que a alimentação e o suplemento, juntos, não
excederão essa quantidade. Uma dieta rica em proteína sobrecarrega os
rins e pode levar a distúrbios renais, além de elevar o risco de morte,
como sugeriu um
estudo recente.
Matemática da nutrição — Um erro comum cometido por
pessoas que tomam esses suplementos é acreditar que, quanto maior a
quantidade de nutrientes consumidos, melhor para a musculatura. O corpo
utiliza uma quantidade limitada de nutrientes para cada função — o
excedente é jogado fora. "A necessidade de proteína que uma pessoa
precisa ao dia nunca ultrapassará 2 gramas para cada quilo de seu peso
total. Quem ingere 8 gramas de proteína por quilo de seu peso, por mais
que pratique muito exercício, não terá um benefício maior", diz Antonio
Lancha Junior, professor de nutrição da Escola de Educação Física e
Esporte da USP. "Existe um ponto em que o suplemento alcança a sua
eficiência máxima e a partir do qual não existe mais nenhum ganho."
Para saber se realmente precisa usar suplementos — e em que
quantidade —, é necessário procurar orientação de um médico ou
nutricionista especializado em exercícios físicos para garantir que,
somadas, alimentação e suplementos não excederão a cota diária de
nutrientes como proteína e carboidrato. O problema é que muitos
frequentadores de academia consomem suplementos por indicação do colega
ou do personal trainer e assim se expõem a ingerir produtos
desnecessários e em quantidades exageradas.
"A proteína em excesso precisa ser eliminada pelo corpo por meio da
urina, e esse trabalho é realizado pelos rins. O excesso de ingestão
sobrecarrega o órgão e compromete a função renal, podendo levar a
problemas sérios", diz o fisiologista Paulo Correia. Já uma pessoa que
usa suplementos de carboidrato sem necessidade não só corre o risco de
engordar, mas também aumenta sua taxa de glicose no sangue, um fator de
risco de problemas graves como o diabetes.
Alimentação regrada — Para Paulo Correia, a
alimentação correta pode surtir os mesmos efeitos da suplementação.
"Muitas vezes o que o indivíduo precisa não são de suplementos, mas de
determinados alimentos em certas horas do dia, como uma barrinha de
cereal ou uma fruta logo após o exercício."
Já na opinião do professor da USP Lancha Junior, o ideal é que as
pessoas comecem a praticar exercícios de força sem o uso de suplementos —
assim, elas saberão que os resultados se devem à atividade física, e
não aos produtos. "Recomendo que elas explorem ao máximo a evolução
apenas com alimentação e exercícios. Se atingirem um nível em que a
atividade não oferece mais resultados, ela pode procurar orientação para
saber se precisa de suplementos."
Ciência — Diversas pesquisas científicas já
demonstraram que os suplementos, de fato, ajudam no ganho de massa
muscular. Ainda não há, no entanto, estudos feitos a longo prazo que
revelem os efeitos do consumo desses produtos durante muito tempo. "A
literatura científica sobre os suplementos é consistente, mas muito
dinâmica. Frequentemente surgem novos artigos revelando dados novos.
Sempre há o que descobrir", diz Lancha Junior.
Não é anabolizante
É comum que pessoas confundam suplementos nutricionais usados para
conquistar músculos com anabolizantes. Segundo o fisiologista Turíbio
Leite de Barros, parte disso se deve ao fato de as empresas, para atrair
mais consumidores, estamparem frases agressivas e imagens de pessoas
extremamente musculosas nas embalagens dos produtos. Também contribui
com esse estigma o histórico de produtos vendidos como suplementos
nutricionais que foram proibidos por apresentar esteroides em sua
composição. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Jack 3D, o Oxy Elite
Pro e o Lipo-6 Black, banidos das prateleiras brasileiras em 2012.
Enquanto os suplementos contêm nutrientes presentes em alimentos,
como proteínas e carboidratos, os anabolizantes levam hormônios
sintéticos (cuja estrutura química é diferente dos naturais),
normalmente a testosterona, que aumenta a capacidade de hipertrofia do
músculo.
Todos os anabolizantes usados para fins estéticos são prejudiciais à
saúde. O uso dessas substâncias pode desencadear doenças
cardiovasculares, lesões e até câncer no fígado, aumento dos níveis de
colesterol, hipertensão e comportamento agressivo. Entre os homens, os
efeitos adversos ainda incluem atrofia dos testículos, diminuição na
produção de espermatozoides e aumento da próstata. Já as mulheres podem
sofrer diminuição das mamas, infertilidade e aumento da laringe,
resultando em uma voz mais grossa.
Os anabolizantes mais conhecidos são os à base de testosterona e
decanoato de nandrolona, que são injetáveis, e os à base de testosterona
e metandrostenolona em forma de comprimidos.
Fontes: Flavia Meyer, médica do esporte e professora da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e Ruth Clapauch,
vice-presidente do Departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia
da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
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