A conta do fracasso na educação Um estudo exclusivo mostra que apenas 8% dos alunos brasileiros terminam o ensino fundamental com conhecimentos adequados tanto em português quanto em matemática
O Brasil passou por mais um vexame nos resultados do Pisa, a avaliação internacional de educação
feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE). A prova trianual, que avalia os conhecimentos de leitura,
matemática e ciência de alunos de 15 e 16 anos, mede e compara o
desempenho de 65 países. O Brasil, que participa desde 2000, ficou em
58º lugar. Não registra avanço significativo há 13 anos. Em comparação
com países da América Latina, como Chile e México,
perdemos em domínio das disciplinas e em equidade (alunos pobres
aprendem e avançam menos que os ricos). Em relação aos países mais
ricos, a diferença é gritante. Quase 70% dos alunos brasileiros não
sabem o mínimo de matemática, em comparação com 8% de Cingapura, 9% da Coreia, 25% dos Estados Unidos e 24% da Espanha.
Se o resultado parece ruim, fica ainda pior quando se avalia quantos
alunos sabem tanto matemática quanto português. Esse levantamento foi
feito com exclusividade para ÉPOCA pela Fundação Lemann, ONG
especializada em educação. O estudo mapeou mais de 5 mil municípios e
avaliou quantos alunos da rede pública sabem tanto português quanto
matemática em níveis adequados. Segundo o levantamento, apenas 23% de
todos os alunos do 5º ano sabem o que deveriam, ao mesmo tempo, nas duas
disciplinas. No 9º ano, quando estão a um passo do ensino médio, essa
proporção é de apenas 8%. Apenas 35 cidades cumprem a missão de ensinar o
mínimo em ambas as áreas para 70% ou mais do total de seus alunos do 5º
ano. No 9º ano, nenhuma.
Esse desequilíbro no ensino brasileiro também aparece na comparação
internacional. Segundo a avaliação da Fundação Lemann, a partir dos
dados da OCDE, apenas 8,1% do total de alunos brasileiros que fizeram o
Pisa em 2012 tem aprendizado adequado nas três disciplinas avaliadas:
português, matemática e ciência. É menos do que México (9,7%), Uruguai (13,5%),
Chile (18%) e Turquia (27,7%). Os países considerados avançados em
educação têm proporções bem diferentes: Polônia e Canadá, 57%; Coreia,
68%; Finlândia, 60,6%; e Xangai (China), 83%.
A falta de ensino adequado em ambas as disciplinas básicas (português e
matemática) é nociva por dois motivos. Primeiro, rouba do aluno chances
de desenvolver todas as competências necessárias para poder escolher,
no futuro, o caminho que seguirá no mercado de trabalho. É o que se
aprende na escola que determina esse caminho. Se o aluno é melhor em
matemática, a tendência é seguir a área de exatas. Se tiver facilidade
na leitura e na escrita, a área escolhida será de humanas, e o mesmo
acontece com ciências. A escola tem obrigação de preparar o aluno para
escolher qualquer uma dessas áreas. “Isso, sim, é poder de escolha”,
afirma Ernesto Farias, coordenador de projetos da Fundação Lemann. “Se
souber só matemática, ou só português, ou só ciências, ele não terá
opções de verdade. Estamos tirando opções desses alunos.”
Sem uma formação completa, qualquer um, independentemente da área de
atuação, tem menos oportunidades na vida profissional e na pessoal. É
ilusão achar que um gênio da matemática, um técnico em eletrônica ou um
engenheiro não precisarão usar suas habilidades de leitura e
interpretação. “Os profissionais qualificados para trabalhar na
indústria precisam saber ler um manual e escrever um relatório”, afirma
Rafael Luchesi, diretor de educação da Confederação Nacional da
Indústria. “A escola básica não prepara esse profissional de forma
global. Os que chegam da universidade demoram um ano e meio para ficar
prontos para o trabalho.” >> Isabel Clemente: A escola ideal, a melhor e 3 milhões sem nenhuma das duas
As cidades brasileiras que conseguem ensinar português e matemática ao
mesmo tempo não têm uma receita milagrosa. Assim como os países bem
colocados no ranking do Pisa, elas fazem o básico: não deixam nenhum
aluno com dificuldade para trás, investem em professores e seguem um
planejamento de aulas que vai além do livro didático. A campeã do 5o
ano, Claraval, em Minas Gerais, tem currículo próprio e cuidadosamente
planejado, ano a ano, para as escolas municipais. Em português, a maior
dificuldade dos alunos é a escrita. A maioria tropeça em concordância,
coesão e clareza de textos. “Se é essa a dificuldade, então, planejamos
aulas que reforcem isso e damos cursos aos professores”, diz Társia
Cintra Cunha, secretária municipal de Educação. “Sempre há turmas mais
fortes ou mais fracas em português ou matemática. A estratégia para
lidar com isso é intervir imediatamente para recuperar o aluno. Não
esperamos acabar o ano ou o bimestre.” Claraval tem 96% de seus alunos
do 5o ano aptos nas duas disciplinas.
Nenhuma cidade do país consegue chegar a esse desempenho no 9º ano. O
final do ensino fundamental é uma etapa problemática. Se olharmos o
desempenho de português e matemática separadamente, também nenhuma rede
consegue chegar aos 70%. A melhor marca é de Cambuci, no Rio de Janeiro,
onde 59% do total de alunos domina as duas disciplinas. Há oito anos, a
escola estadual Oscar Batista, na zona rural, registrava uma das
maiores evasões do Estado e um dos piores desempenhos na avaliação
nacional de alunos. Virou escola prioritária para o governo estadual e
começou a arrumar a casa. Teve mutirão para buscar aluno em casa e
programas para envolver as famílias, a maioria de lavradores. A escola
criou um programa de leitura para os professores (que não liam o
suficiente para estimular o hábito em seus alunos). Para acabar de pôr a
casa em ordem, deu sentido aos projetos pedagógicos. “Existia projeto
de leitura, mas o que se fazia ali não tinha relação nenhuma com o que
era ensinado na sala de aula”, diz Obede Pires, diretor. Com um melhor
planejamento das aulas e evasão zero, o crucial para a escola, hoje, são
as aulas de reforço em português e matemática. Isso começou com os
professores ajudando os alunos. “Agora os próprios alunos formam seus
grupos de estudo. Não vão para casa na hora que toca o sinal”, diz
Pires. O resultado? Antes, menos de 20% dos alunos da Oscar Batista
optavam por fazer uma faculdade. Hoje, segundo Pires, mais de 80% optam
pela universidade. É esse o caminho que o Brasil precisa seguir.
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