Para não enfrentar um arrocho automático e caírem no “abismo fiscal”, os Estados Unidostêm até 31 de dezembro para decidir como cortar US$ 2,1 trilhões em gastos nos próximos dez anos e se vão manter as reduções de impostos definidas pelo governo Bush.
Seja “aos 45 minutos do segundo tempo” (entre o Natal e o Ano Novo) ou já na prorrogação (nos primeiros meses do ano que vem), os especialistas acreditam que vai haver um acordo para definir o que vai ser cortado e de que forma. Ou seja, o país não vai descer muito fundo.
“Ninguém quer que o país entre no ‘abismo fiscal’, não é bom para a economia, é muita austeridade. Queremos reduzir gasto, mas da forma certa”, diz a economista Nela Richardson, da Bloomberg Government, especializada em análises de assuntos ligados ao governo americano. Segundo ela, há consenso também quanto à necessidade de uma reforma tributária.
Esse "abismo" é resultado da aprovação pelo Congresso, em 2011, da ampliação do déficit fiscal do país em US$ 2,1 trilhões. À época, o endividamento chegara ao limite de US$ 14,3 trilhões, e o país corria o risco de dar "calote" caso o limite da dívida não fosse elevado. Mas, em troca, a medida exigia chegar a um acordo até o fim de 2012 para cortar US$ 1,2 trilhão em dez anos. Sem isso, o tal “sequestro automático” de gastos que vão impactar programas sociais e de defesa seria ativado. É o que está prestes a ocorrer.
“O que estamos vendo agora é um mecanismo de segurança para forçar os congressistas a trabalharem juntos”, diz a economista da Bloomberg.
Há duas questões diferentes que vão diminuir o dinheiro em circulação nos EUA: 1) corte automático de US$ 1,2 trilhão em gastos do governo nos próximos dez anos, já que o limite máximo de endividamento (US$ 16,4 trilhões) está prestes a ser alcançado e 2) fim de medidas de redução de impostos que vêm desde o governo Bush, sem as quais os americanos vão pagar mais impostos e receber menos benefícios.
Para o ano que vem, calcula-se que o corte será de cerca de US$ 500 bilhões, somados benefícios que vão expirar e os cortes de gastos do governo. Esse dinheiro a menos deve fazer a economia frear já em 2013, segundo os analistas.
Tamanho do possível corte de gastos e aumento de impostos em 2013, em US$ bilhões | |
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Total de aumento nos impostos | 427 |
Total dos cortes de gastos | 127 |
TOTAL RETIRADO DA ECONOMIA | 554 |
AcordoBarrar o ‘abismo’ (esse corte grande e todo de uma vez) depende de os líderes do Congresso dos EUA definirem juntos o que cortar. Havendo um consenso para reduzir os tais US$ 1,2 trilhão nos próximos dez anos, o abismo some e os cortes passam a ser escalonados. É aí que está o problema.
As tentativas de negociação vêm pelo menos desde agosto, mas as discussões não têm sido muito frutíferas. Obama quer elevar os impostos dos americanos mais ricos e os republicanos, liderados por John Boehner, discordam por achar que isso irá impedir o crescimento das empresas, resume a revista americana “Forbes”.
Consequências
Enquanto não se sabe que lado vai perder na definição dos cortes, a economia perde como um todo, já que a indefinição gera prejuízo à economia, diz a economista Nela Richardson. “É como no Brasil, em que investimentos estão sendo retidos por conta da insegurança. Essa indefinição é ruim para o país e é o que vai prejudicar nossa economia”, diz, apontando como possível consequência a alta do desemprego pré-abismo.
Enquanto não se sabe que lado vai perder na definição dos cortes, a economia perde como um todo, já que a indefinição gera prejuízo à economia, diz a economista Nela Richardson. “É como no Brasil, em que investimentos estão sendo retidos por conta da insegurança. Essa indefinição é ruim para o país e é o que vai prejudicar nossa economia”, diz, apontando como possível consequência a alta do desemprego pré-abismo.
Os desdobramentos da queda no abismo, por outro lado, podem ser catastróficos ou apenas ruins, dependendo da análise. Os mais pessimistas acreditam que o corte fará a economia dos EUA escorregar no início da escalada de recuperação, levando abismo abaixo a fraca economia mundial.
Para o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês), o desemprego deve subir de 7,7% em novembro para 9% e o país deve entrar em recessão, encolhendo 0,5% até o fim de 2013.
Entre os principais cortes estão o de verbas para o programa de saúde do governo, o Medicare; do auxílio-desemprego; e do orçamento de defesa. No total, mais de US$ 100 bilhões devem ser enxugados, segundo o CBO e a MB Associados.
O fim dos descontos em impostos a empresas e cidadãos deve retirar aproximadamente outros US$ 400 bilhões da economia – via tributos mais altos e menos benefícios sociais. Estão à beira de expirar, por exemplo, a redução de alíquotas de imposto de renda e as desonerações sobre contratações.
A consequência deve ser a redução de consumo principalmente nas classes médias e baixas. “Qual a conta dos economistas e do mercado? Se não for negociada a extensão da redução de impostos, eles vão subir para as pessoas físicas e empresas e isso vai significar retirada de dinheiro da economia: famílias vão ter de pagar ao governo e não vão consumir com esse dinheiro”, diz o professor do curso de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Geraldo Zahran.
Alta do desemprego: de 7,7% (em novembro) para 9% em 2013 | |
Recessão: encolhimento de 0,5% no PIB em 2013 | |
Principais cortes de verbas: programa de saúde do governo, o Medicare; auxílio-desemprego; e orçamento de defesa. | |
Incentivos tributários à beira de expirar: redução de alíquotas de imposto de renda e desonerações sobre contratações. | |
Para o Brasil: redução de exportações para os EUA, queda da Bovespa e desvalorização do dólar. |
A queda pode chegar ao Brasil trazendo a redução de exportações para os EUA, queda da Bovespa e desvalorização do dólar, segundo analistas. Um encolhimento da economia norte-americana reduziria nossas vendas tanto para os EUA quanto para outros países que comercializem com ele como a China – nosso principal parceiro comercial. A recessão nos EUA “pode limitar as medidas recentes realizadas no câmbio pelo governo no intuito de aumentar a competitividade da nossa indústria”, diz o economista da MB Associados, Antônio Louro.
Já os menos pessimistas lembram que o corte de US$ 1,2 trilhão não atingirá a economia de forma instantânea – ou seja, haveria mais tempo para o acordo. “Se as leis entrarem em vigor, a economia pode começar um declínio que pode levar a uma recessão em 2013, mas isso é bem distante de cair num abismo, diretamente numa recessão”, diz Chad Stone, economista-chefe do Centro de Orçamento e Políticas Prioritárias (CBPP, na sigla em inlgês), no artigo “Medo equivocado do ‘abismo fiscal’ impõe desafios a negociações do orçamento”.
Stone e o CBO apontam que o impacto imediato na renda da maioria das famílias será limitado a um aumento nos impostos proporcional ao salário. Isso trará impactos negativos, mas não uma crise como a Depressão de 1929, só uma leve recessão.
Limite de gasto
O tal gatilho de corte de gastos existe porque o endividamento do governo americano é limitado pelo Congresso, uma forma de proteger a economia e os cidadãos de gastos excessivos.
O tal gatilho de corte de gastos existe porque o endividamento do governo americano é limitado pelo Congresso, uma forma de proteger a economia e os cidadãos de gastos excessivos.
"A razão entre a dívida e o PIB não pode aumentar eternamente. Se isso acontece, as reservas nacionais disponíveis para investimento privado encolhem e, em uma situação extrema, reduzem o crescimento e, como consequência, o nível de vida da população”, escreve Richard Kogan, do CBPP, no artigo “Economia de US$ 2 trilhões no déficit alcançaria alvo chave: estabilizar a dívida na próxima década”. No caso de uma futura crise, ficaria mais difícil conseguir investimentos e o preço, maior.
“Para se ter uma ideia, no governo Clinton (entre 1993 e 2001), o limite de endividamento era de US$ 5,5 trilhões. Foi na era Bush e Obama que ele subiu tanto, até chegar aos atuais US$ 16,4 trilhões”, explica Zahran, do curso de relações internacionais PUC-SP. Atualmente, diz a revista “Forbes”, o endividamento dos EUA é de 70% do PIB, a taxa mais alta em mais de 70 anos.
O que e como cortar
Mas se há consenso de que é preciso cortar gastos e fazer uma profunda reforma tributária para reduzir os impostos, além de ser perceptível que a demora em decidir aumenta o prejuízo, por que o Congresso não toma uma decisão?
Mas se há consenso de que é preciso cortar gastos e fazer uma profunda reforma tributária para reduzir os impostos, além de ser perceptível que a demora em decidir aumenta o prejuízo, por que o Congresso não toma uma decisão?
“A culpa é do Congresso”, diz a economista da Bloomberg Government, bem-humorada. “Há mais consenso entre os partidos que divergências, mas as que existem são realmente centrais.”
Cada partido defende os interesses de sua base eleitoral, democratas e republicanos não abrem de minimizar o peso dos gastos para uma parte específica da população. “O que está entravando as discussões é menos técnico e mais político. Eles relacionam o pagamento de impostos com cidadania, tanto que na campanha eleitoral se fala em 'pagador de impostos'”, diz o coordenador do curso de economia internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Antonio Carlos Alves dos Santos.
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As alíquotas sobre a renda, hoje entre 10% a 35%, vão voltar para o patamar entre 15% e 39,6% se não houver acordo. “Barack Obama quer permitir o aumento dessas alíquotas, mas somente para a faixa mais rica da população. Para o cenário de crescimento seria importante a manutenção dessas alíquotas, mas do ponto de vista do endividamento público o aumento de impostos é mais do que providencial (cortá-las), diz o economista Antônio Louro.
Quando cortar
Os mais otimistas apostam que um acordo será fechado entre o Natal e o Ano Novo, a exemplo do que ocorreu em 2011. A decisão só veio em 31 de julho, último dia, mesmo com a nota de risco do país tendo sido reduzida e a emissão de títulos para financiar mais gastos bloqueada.
Os mais otimistas apostam que um acordo será fechado entre o Natal e o Ano Novo, a exemplo do que ocorreu em 2011. A decisão só veio em 31 de julho, último dia, mesmo com a nota de risco do país tendo sido reduzida e a emissão de títulos para financiar mais gastos bloqueada.
“Seria ótimo que houvesse um acordo entre Natal e Ano Novo. Acho que ele vai ocorrer, mas talvez só em fevereiro. Ate lá, a economia não está fazendo muitos avanços nem fará”, prevê Nela. Na análise de Chad Stone, do CBPP, a decisão pode sair só em abril.
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